quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Eterno Retorno

Amanhã, véspera de mais um feriado religioso, a atenção de boa parte dos habitantes do Impávido Colosso, e demais colossos que assim o fazem, volta-se para a lembrança daqueles que estão mortos. A morte, essa incompreensível balizadora da vida, apresenta-se em toda a sua dimensão, e inevitavelmente nos remete à insignificância de nossa existência, fazendo com que os pequenos dramas humanos pareçam risíveis e pequenos sob sua perspectiva.

Falar do término da vida, e além disso refletir sobre isso, é uma tarefa ingrata e que tanto os cães, os porcos e as ovelhas tentam evitá-la a todo custo. Para muitos, é condição sine qua non para a existência que se acredite em algo, ainda que estúpido, para seguir adiante. São necessárias as garras do leão com a frieza da cobra para suportar o peso da vida em toda a sua dimensão existencial, de forma a questioná-la permanentemente em busca de hipóteses que ajudem a diminuir a perplexidade do estar-vivo. A religião, este poço infinito de ignorância e alienação, tem como uma das principais funções filosóficas fornecer conforto e esperança aos que aqui vivem em sofrimento, deixando suas vidas bestiais mais amenas. O animal homem é o único tipo que precisa de um sentido exterior para a sua vida; o único que sofre porque sabe que sua existência é finita. Este é o preço, suponho eu que se existisse um deus tal e qual sua imagem e semelhança, que nos é cobrado como espécie por, na realidade, ter rejeitado o rótulo de animal. Como se sabe, os que melhor conhecem a felicidade são os cães...

Muitas interpretações, entretanto, são possíveis a respeito deste fenômeno, e pretendo aqui ater-me em apenas um único ponto: as religiões em geral postergam para o além-vida a felicidade, a "vida eterna", ou o Nirvana. O Cristianismo promete paz eterna no final das contas. O Budismo, por sua vez, promete o término do sofrimento através da negação completa e irrestrita do desejo; em última análise, da negação da própria vida, considerando que viver é desejar. Aliás, é importante que se diga que o Budismo, em comparação com o Cristianismo, está num nível menos ilusório de compreensão da realidade, pois não luta contra falsos valores morais (como a idéia de pecado), mas sim contra o sofrimento, pura e simplesmente. Este assunto, aliás, gera um óptimo devanenar. Um chá que será servido noutro louquejar...

Lutar contra o sofrimento é louvável, mas negar a própria vida através da eliminação do desejo é uma solução budista que em verdade nada soluciona... O pequeno fato, no entanto, de transpor para o além a idéia de plenitude e satisfação, independente de religião, torna o sujeito esperançoso de algo melhor em sua vida no futuro. Eu, ateu que sou, compartilho com Quintana a sua idéia de esperança: um urubu pintado de verde, eis tudo. Por isso, se a mim fosse necessário acreditar em algo, pura e simplesmente, ainda que como hipótese, preferiria acreditar na teoria do Eterno Retorno, de Nietzsche. Nela, há uma inversão total de valores, e a plenitude é obtida do terreno e do mundano, e não no além, como ocorre com o Cristianismo e Budismo. Parte-se do princípio que o tempo é infinito, mas o totalidade de coisas que existem, não. Por isso, através de bilhões de anos, os ciclos tendem a se repetir de forma idêntica à forma que uma vez já ocorreram no passado. Se o tempo é infinito, esta repetição já ocorreu infinitas vezes no passado; e repetir-se-á ainda infinitas vezes no futuro... Isto é, a totalidade de coisas que existem transformam-se durante muito tempo simplesmente para retornar ao seu estado original. Um universo sem início e sem fim. Um eterno continuar é o resumo do Eterno Retorno.

Praticamente pensando, significa que eu já vivi a minha vida infinitas vezes no passado, e ainda a viverei infinitas vezes no futuro. Vossa mercê, sábio leitor, já leu e ainda lerá este post infinitas vezes em sua vida. Conforme percebe-se em Assim Falou Zarathustra, capítulo Da Visão e do Enigma:

...
“Olha esse portal, anão!”, prossegui; “ele tem duas faces. Dois caminhos aqui se juntam; ninguém ainda os percorreu até o fim.

Essa longa rua que leva para trás: dura uma eternidade. E aquela longa rua que leva para a frente — é outra eternidade.

Contradizem-se, esses caminhos, dão com a cabeça um no outro; e aqui, neste portal, é onde se juntam. Mas o nome do portal está escrito no alto: ‘momento’.

Mas quem seguisse por um deles — e fosse sempre adiante e cada vez mais longe: pensas, anão, que esses caminhos iriam contradizer-se eternamente?”
...

Este tipo de pensamento é enlouquecedor, especialmente para aqueles que não aceitam a vida tal como ela nos é apresentada no mundano: cheia de dor, de sofrimento e de tristeza. Porém, também com alegria, com vinho e com riso. Numa palavra: um absurdo que não se pode explicar, desprovido de qualquer sentindo exterior! Quer dizer que eu terei de repetir tudo de novo, cada momento tal e qual já vivi e ainda viverei?! Por isso os miseráveis não suportariam tal pensamento, já que sua vida é miséria e sofrimento sem fim. Se o sujeito, ao tentar compreender tal hipótese, sentir-se satisfeito com sua vida, a ponto de repeti-la da mesma forma, com os mesmos momentos que viveu e ainda viverá, de tal sorte que deseje vivenciar tudo novamente, então, segundo o ideal nietzscheniano, terá compreendido como viver e morrer e confiar no ciclo da vida, de acordo o eterno retorno.

...
"Olha”, continuei, “este momento! Deste portal chamado momento, uma longa, eterna rua leva para trás: às nossas costas há uma eternidade.

Tudo aquilo, das coisas, que pode caminhar, não deve já, uma vez, ter percorrido esta rua? Tudo aquilo, das coisas, que pode acontecer, não deve já, uma vez, ter acontecido, passado,
transcorrido?

E se tudo já existiu: que achas tu, anão, deste momento? Também este portal não deve já — ter existido?

E não estão as coisas tão firmemente encadeadas, que este momento arrasta consigo todas as coisas vindouras? Portanto também a si mesmo?

Porque aquilo, de todas as coisas, que pode caminhar deverá ainda, uma vez, percorrer — também esta longa rua que leva para a frente!

E essa lenta aranha que rasteja ao luar, e o próprio luar, e eu e tu no portal, cochichando um com o outro, cochichando de coisas eternas — não devemos, todos, já ter estado aqui?


E voltai a estar e percorrer essa outra rua que leva para a frente, diante de nós, essa longa, temerosa rua — não devemos retornar eternamente?’’

...


Na verdade, considero esta hipótese a mais optimista dentro do aceitável em termos de hipóteses para explicar o inexplicável... É importante salientar que tal teoria nada tem a ver com ideais de reencarnação, visto que o retorno é obrigatório e idêntico ao que hoje se vive! Não há outra chance, há um único caminho no qual se está preso eternamente! Pois trata a vida como um imperativo do qual sequer a morte pode resolver. Assim, viver de acordo com o que é importante para si, tendo cada minuto e cada segundo no limite, fazendo valer a pena a ponta de, no final, poder dizer:

Mas a coragem é o melhor matador, a coragem que acomete; mata, ainda, a morte, porque diz:

“Era
isso, a vida? Pois muito bem! Outra vez!”

Namaste!

Um comentário:

Tiago Soldá disse...

A estupidez do ser humano ganha contornos gigantescos quando envolve a religi�o... bestas! Mal sabem que a vida � bem mais simples... e que a religi�o JAMAIS vai resolver qualquer um de seus problemas... no m�ximo enganar a alma por um breve per�odo de tempo enquanto a mente puder ficar alienada...

Por sorte, este feriado religioso de 2 de novembro em nada � religioso pra mim, afinal, neste dia fa�o anivers�rio... fa�o festa, e comemoro cada vez mais, mais um ano de vida! Sortudo de mim, que nem paro pra pensar no significado da data, e aproveito ela como deve ser: um feriado para extravasar alegria e deixar a tristeza de lado.