sexta-feira, 24 de abril de 2009

A Arte que Transcende

Estava eu a navegar despreocupadamente na grande rede quando deparei-me com a notícia da condenação em primeira instância dos idealizadores do The Pirate Bay, sítio que funciona como um buscador de arquivos que utiliza a tecnologia BitTorrent e possibilita a milhões de pessoas em todo mundo compartilhar arquivos através da conexão direta entre usuários (também conhecida como p2p - peer to peer). Do lado oposto, a grande indústria de sanguessugas do entretenimento estadunidense (formada por Sony BMG, Universal, EMI, MGM, entre outros, etc.) continua a sua caçada na tentativa de impedir que as pessoas compartilhem aquilo que ela chama de produto e rotula de propriedade intelectual para restringir o acesso a arte produzida.

Ao ler a repercussão do caso, ocorreu-me pensar a respeito da arte. Então comecei a me questionar e perguntei a mim mesmo: a arte não é tudo aquilo que o espírito humano pode produzir cujo principal objetivo é a transcendência em razão da perplexidade do estar-vivo? E o artista não é aquele que ama mais a sua obra do que a si mesmo, pois dessa forma atinge a transcendência? Na nojenta sociedade capitalista, a arte é colocada numa caixa e rotulada como produto, cujo sucesso é proporcional às vendas que tal produto atinge. Com esse pensamento, a manifestação artística está limitada a um grupo restrito de indivíduos que podem pagar o preço para obtê-la. E não podem, segundo o direito intelectual, compartilhar com amigos o produto adquirido, devendo consumi-lo individualmente e, preferencialmente, sem alarde.

Considero o verdadeiro artista alguém que, por amar a sua obra mais que a si mesmo, transcende a estupidez ordinária do cruel tipo homem. E a sua obra é fruto de seu esforço, dedicação e inspiração. Merece, pois, ter seu trabalho reconhecido e remunerado. Quando milhares de pessoas têm acesso a tal conteúdo, ocorre o reconhecimento por excelência de todo verdadeiro artista. Triste a sociedade que não vive intensamente as manifestações artísticas e não valoriza seus artistas. Meu alter ego devaneia que uma sociedade sadia é aquela que reconhece e permite que seus artistas vivam e supram suas necessidades sem precisar corromperem-se na capitalização do homem e seus produtos. Um CD ou DVD que venda milhares de cópias é sinônimo de sucesso; porém, isso é apenas um dado relevante no universo capitalista e para quem acredita nesse modelo de sociedade. Uma músicas ou filme que seja compartilhado por milhares de pessoas é, igualmente, um sucesso. Nesse caso, exclui-se da arte o componente de produto, pois é apenas o desejo de indivíduos de transcender com o que é belo que motiva as pessoas a compartilhar entre si a arte que ajuda a sua transcendência.

A indústria de sanguessugas, em especial a estadunidense, quer limitar o acesso das pessoas e embutir a idéia que compartilhar arte é um crime, já que são as detentoras dos direitos autorais de tais obras. Muitas vezes, adquirem tais direitos dos próprios artistas, que sendo os criadores perdem a propriedade sobre seus produtos. Meu alter ego questiona-se se alguém pode ser dono de uma obra de arte, inclusive o seu próprio criador. Afinal, ninguém pode nada criar sozinho; toda inspiração e idéias que ajudam o artista a conceber o seu trabalho é resultado direto do meio que o sujeito está inserido; as suas experiências, vivências e sentimentos são fruto de sua existência em sociedade. Ora, jamais se ouviu falar que Platão, Newton ou Schopenhauer reclamaram direitos autorais sobre suas idéias. Nesse sentido, a sociedade contemporânea representa um modelo decadente no qual o direito autoral é um entrave na elevação da condição humana através da arte. Na verdade, pensamos que pensamos, pensamos que criamos e pensamos que somos donos de nossos supostos pensamentos. E por pensar assim, julgamo-nos detentores de obras de arte e decidimos quem pode e quem não pode acessá-la. Mas na realidade toda idéia que esteja manifestada dessa forma é de propriedade da humanidade, e não de indivíduos ordinários que nada criam e visam apenas ao lucro com a exploração do trabalho alheio.

Infelizmente nem toda manifestação artística pode ser reproduzível tão facilmente como uma poesia, um filme ou uma música; eventos que só se justificam no momento em que ocorrem, como peças de teatro ou apresentações de dança, ou ainda as artes plásticas, que produzem exemplares únicos. Para as demais categorias, no entanto, a Grande Rede representa um momento ímpar na história da humanidade por possibilitar o compartilhamento de arquivos entre amigos virtuais. Naturalmente, tal fenômero incomoda as grandes gravadoras e estúdios, pois lhes rouba o mercado da exploração artística e, assim, diminui seus lucros de forma astronômica. O Pirate Bay, assim como outros sítios do gênero, é temporário. Pode ser eliminado por decisões judiciais. O desejo, que deveria ser uma necessidade, de transcender através de arte é inato ao ser humano, e quiçá nunca se extinguirá. Uma vez que a Grande Rede proporciona os meios necessários à realização de tal desejo, não haverá nenhuma empresa, cão-acionista ou juiz de direito capaz de frustrar o direito de transcendência. Os pseudo-artisitas que apenas desejam fama e dinheiro estão condenados ao fracasso, pois o modelo no qual produzem a sua pseudo-arte está morrendo. Então, pois, que dêem espaço ao verdadeiro artista, aquele que transcende a si mesmo através de seu trabalho e não visa ao lucro acima de tudo, mas essencialmente à transcendência de si e de seus semelhantes. Este será recompensando e terá o seu reconhecimento através de outros mecanismos que não a pura e simples venda de produtos.

É falsa a idéia de que o artista morrerá de fome ao não poder vender sua obra em forma de produto; tal idéia é inclusive o maior argumento da indústria sanguessuga. Na verdade, a indústria remunera o artista com migalhas de centavos do grande bolo que é a venda de arte como produto, isto é, a produção em série de enlatados cujo objetivo é aniquilar o espírito transcendental da verdadeira arte. Compete também ao artista e a sociedade que compartilha livremente o resultado de seu trabalho encontrar um novo mecanismo de remuneração ao artista. Dessa forma, elimina-se o atravessador que nada cria e possibilita ao verdadeiro artista manter-se ativo com seu trabalho e, igualmente, um universo maior de pessoas podem acessar-lhe e contribuir para uma sociedade na qual a arte assuma um papel de agente transcendental e não de mero produto de entreterimento, como hoje ocorre.

Namaste!

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# O Artista, a Obra e a Grande Rede

"Ao assistir a festa estadunidense do Oscar 2008 resolvi fazer o que já tinha feito no ano anterior, isto é, selecionar alguns filmes para assistir. Naturalmente o único local onde consegui localizar tais filmes foi na Grande Rede, através de programas de compartilhamento de arquivos.
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