quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Da Musicalidade do Leão

Uma das idéias de senso comum reza que é possível conhecer alguém pelo seu gosto musical. Inclusive pela importância que dá as artes, como a literatura, teatro, poesia e música, consegue-se ter uma dimensão dos valores que norteiam o indivíduo. Como viver sem música? E, ainda, como viver sem música de qualidade? A sociedade globalizada gera diariamente toneladas de lixo, coisas horrorosas cujo objectivo é entreter (ou alienar, algo como entrelienar) gerando o que se chama a cultura de massa. Alheio a isso, não posso deixar de escrever a respeito daquilo que possui valor em si, e que independente de opinião pessoal está num nível superior e que não merece ser apenas escutado; mas sobretudo celebrado. Ao escutar algo superior, deve-se celebrar e não apenas escutar.

Um dos conjuntos que possui virtuosismo musical extraordinário chama-se Pink Floyd. Aprecio suas longas músicas, como Shine On You Crazy Diamond, Time, Echoes, Dogs etc. Músicas estas que não tocariam em rádios comerciais porque são longas demais. Como se existisse um dedo ordenador a instituir os três minutos como tempo ideal para uma canção. De fato, quem hoje tem tempo para ouvir os 17"04' de Dogs sem ficar com aquela doente sensação de perda de tempo?

Esta música, aliás, compõe o álbum Animals, lançado em 1977 (ano do início de meu ocaso), que é um álbum conceito, isto é, um álbum baseado em algum assunto e cujas músicas referenciam-se a ele. Pois bem, Animals referencia o romance de George Orwell, Animal Farm, ou A Revolução dos Bichos. A interpretação realizada por Roger Waters, com subsídios da obra original, foi de dividir a humanidade em três categorias (a metáfora permanece atual): cães, porcos e ovelhas. Os cães representam os homens de negócio megalomaníacos, ávidos por lucro acima de tudo. Podemos pensar neles como os banqueiros brasileiros, com seus recordes de lucros a cada semestre. O porco representa a classe política e, especialmente no Impávido Colosso, sua endêmica corrupção. Finalmente temos as ovelhas, que são o tipo fraco e alienado, facilmente manipulado. A quase totalidade da população brasileira é composta de ovelhas, que são manipuláveis pelos meios de comunicação, e não pensa.

Neste mundo animal, para sacudir e mudar este estado de coisas, fiquei pensando em qual animal representaria uma possível transformação nesta fazenda humana. Aí, num louquejar desses quaisquer, veio-me à imagem a figura do leão. Sim, o leão que está descrito em Assim Falou Zarathustra como o destruidor de valores, o espírito de rebeldia, o eu quero; aquele que, se não consegue criar ainda, ao menos tem a capacidade de indignação, de revolta e abertura para a criança, para o novo, para abrir terreno para o além-do-homem.

É possível, hoje, existirem leões a sacudir o espírito humano e preparar o terreno para o novo? E qual novo seria este? Parece-me que falta o que desejar... E eu gostaria de acreditar nisso, mas tenho cá minhas dificuldades. Às vezes parece-me tão mais fácil ser ovelha e estar mais próximo à felicidade, que desenvolver as garras leoninas e não aceitar passivamente este estado de coisas que nos cercam... Divagações à parte, este é post 3 em 1: leia o livro, veja o filme e celebre o disco. Porque o homem inatamente deseja transcender, e Animals é um bom começo.

Namaste!

Um comentário:

Tiago Soldá disse...

Antes tarde do que nunca. Parab�ns pelo post! Infelizmente hoje em dia, escutar m�sica de qualidade � para poucas pessoas. Bela cita�o deste fabuloso Animals! Quanto mais escuto, mais quero ouvir... Pink Floyd � assim!!! Perfeito!!!