segunda-feira, 30 de março de 2009

O Homem e a Mente

Estava eu a observar o lusco-fusco de um dia comum quando, ao organizar algumas coisas, deparei-me com um livro atribuído a Bhagwan Shree Rajneesh, também conhecido como Osho, chamado Além das Fronteiras da Mente. Comecei a lê-lo por curiosidade, já que nada conhecia a respeito de seu autor. Osho é considerado um líder espiritual para uns, revolucionário para outros. Em relação a suas idéias, a principal contida nesse livro é a idéia de não-mente e como tal idéia pode levar o cruel tipo homem ao caminho da iluminação.

Por não-mente entende-se o estado de consciência no qual a mente que possuímos é colocada em segundo plano e nenhum pensamento, sentimento, absolutamente nada, pode interferir nesse estado de consciência que se deseja obter. Para os budistas, alguém se torna um buda quando atinge tal estado. Sidarta Gautama é freqüentemente chamado de o buda, pois é a primeira pessoa que se sabe a ter atingido tal estado. Mas Osho não se considera um budista, nem tampouco segue religiões, pátrias, ideologias ou filosofias. Osho orienta seus seguidores a buscar apenas e exclusivamente o caminho da iluminação pessoal, utilizando como técnica a meditação, que é uma forma de se obter o esvaziamento da mente.

Tal estado de não-mente é deveras difícil de ser obtido. Nascemos sem mente e com um cérebro e a sociedade encarrega-se de moldá-la ensinando-nos todas as coisas do mundo, de modo a que nossa mente, que julgamos precisamente que seja nossa, fique tão ocupada com pensamentos, preconceitos morais, deturpações, sentimentos dos mais variados tipos etc. que não consiga sequer perceber que tudo que existe para o homem é apenas a forma como ele interpreta as coisas que os cercam. Isto é, o homem criou o mundo tal qual ele conhece; criou inclusive o conceito de deus e engana-se continuamente acreditando que deus criou o homem!

Um dia é definido com 24 horas, mas se sabe que, na realidade, o intervalo de tempo que se convencionou chamar de dia é apenas uma ficção, uma convenção, isto é, na realidade não existe um dia de 24 horas, mas apenas o nome e suas propriedades que a espécie humana julgou conveniente em determinado momento. A matemática e a lógica são, ambas, ficções a respeito da realidade das coisas, interpretações interessantes sobre determinados fenômenos, mas, ainda assim, não passam de interpretações. Assim como as religiões e seus deuses, juntamente com seus dogmas, não passam de interpretações, meras especulações a respeito do estar-vivo. Algumas são ridículas e patéticas, como o lixo demencial relacionado ao christianismo; outras mais interessantes e respeitáveis, como a idéia de luta contra o sofrimento, princípio essencial do budismo.

Meu alter ego vê semelhanças interessante entre o método de Osho de esvaziamento da mente e a contestação da realidade que cerca o homem, num esforço consciente que os verdadeiros filósofos devem fazer para atingir alguns de seus propósitos, sendo um dos mais importantes a destruição dos preconceitos morais, sociais, religiosos e científicos, num esforço contínuo de, em certa análise, também esvaziar a sua própria mente. No entanto, tal método busca, em essência, o término do sofrimento, partindo da premissa budista que viver implica em sofrer. Ora, para fazer isso, não há outro caminho a não ser a destruição do desejo, pois o sofrimento humano existe porque existe o desejo.

Zaratustra, o herói nietzschiniano que passou dez anos na montanha, vivendo com animais, retornou ao convívio dos homens ordinários anunciando o além-do-homem e não foi compreendido. Ora, o que Zarathustra lá fazia que não meditar e esvaziar a sua mente? Ambos, Osho e Zarathustra pretendem a superação do cruel tipo homem; cada um a seu modo, mas ambos envergonham-se do tipo homem e pretendendo superá-lo. Um, desprezando o desejo; outro, amando-o a cada momento. E neste ponto reside uma grande divergência com o fundamento budista do desejo: não estaria, o homem, ao matá-lo, matando também a própria vida? Pois a própria vida, como a conhecemos, não é puramente desejo? Não me refiro aos desejos fúteis presentes na sociedade capitalista, consumista e mecanicista dos dias atuais, que vê no dinheiro uma justificativa em si, que busca adquirir coisas a todo custo e nunca se satisfaz com aquilo que obtém, que vive miseravelmente com uma multidão de miseráveis e protege-se cada vez mais a si e ao seu patrimônio, e ainda julga que vive numa sociedade livre! Refiro-me aos desejos mais nobres do tipo homem, como o desejo do conhecimento, o desejo da arte, do belo, do riso, do sexo... Osho poderia dizer que tais desejos não são, de fato, desejos: são necessidades do espírito humano. Mas a linha tênue que separa o conceito de necessidade e desejo faz-me questionar freqüentemente a respeito da luta contra sofrimento; aceitar os desejos mais nobres como algo essencial à vida, aceitando o sofrimento inato que tal escolha representa, ou retornar ao estado animal de não-mente e, assim, evitar totalmente o sofrimento? Ao que me lembrei de algumas palavras de Zaratustra, no capítulo Da Visão e do Enigma:

"...Oh, meus irmãos, eu ouvia um riso que não era um riso de homem — e, agora, devora-me uma sede, um anseio, que nunca se extinguirá.

Devora-me um anseio por esse riso: oh, como posso, ainda, suportar viver! E como, agora, suportaria morrer!"

Namaste!

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# Das Interpretações que se Tornam as Coisas em Si
"Gosto de pensar que no estar-vivo precisamos de meia dúzia de conceitos bem fundamentados para poder pensar decentemente. Sim, poucas coisas que, naturalmente, não são valorizadas.
"

terça-feira, 10 de março de 2009

O Câncer Cristão

Estava eu a navegar na Grande Rede quando deparei-me com uma notícia que dizia que uma menina de apenas 9 anos de idade sofreu aborto em um hospital impávido colossensse, visto que a mesma foi emprenhada de seu próprio padastro e, de quebra, concebeu gêmeos. Uma situação que por si só produz sofrimento a todos os envolvidos, em especial à menina grávida. Legalmente, em casos de estupro ou risco de vida à gestante, o aborto é autorizado por lei. Dessa forma, o hospital apenas cumpriu com o seu dever, salvando a menina e eliminando o produto de um ato criminoso e doentio, destes que somente o cruel tipo homem pode executar.

Pois juntamente com a notícia a respeito do trágico episódio, havia outra que dizia que a Igreja Católica, na figura asquerosa do arcebispo José Cardoso Sobrinho, condenou o procedimento realizado, alegando que o mesmo era um assassinato da vida e ia de encontro com as doutrinas católicas. Assim, excomungou médicos, a mãe e a própria garota. É que para o catolicismo não pode haver qualquer interferência humana que interrompa a vida de um ser humano, independente das circunstâncias.

Este é o primeiro ponto a ser analisado: como o cristianismo é patético e ridículo como religião. Tivesse tal fato ocorrido numa civilização budista, certamente não haveria alarde, pois para tal religião o elemento essencial a ser combatido é o sofrimento, em oposição ao cristianismo, que combate o pecado. E o próprio conceito de pecado, essa idéia falsa que foi utilizada por séculos para subjugar mentes fracas, é risível. O cristianismo e seus símbolos mais sagrados (bíblia, cruz, salvação, etc.) nada mais são que a representação de uma doença cancerígena contra a própria vida, visto que seus representantes estão doentes; afinal, somente um doente mental poderia aceitar o prosseguimento de tal gravidez, que culminaria com a morte da mãe e seus filhos. O cristianismo é contra a vida porque incuta nas pessoas idéias equivocadas a respeito da própria vida: o celibato produz religiosos pederastas, o jejum maltrata o corpo e enfraquece a mente e a idéia do pecado ajuda a criar uma sociedade doente: afinal, o bom cristão é aquele que peca e se arrepende. O cristianismo existe para que as pessoas pequem. O cristão que não peca não tem utilidade. Não importa quão grave seja o erro, basta o arrependimento para o sujeito ser salvo. E é através do jogo psicológico da culpa e aversão à vida que os cristãos produziram tantos estragos em dois mil anos de história. Hoje, felizmente, a sua força como instituição é bem menor que em outros tempos e possibilitou à menina de 9 anos realizar o aborto e, assim, salvar a sua própria vida.

Meu alter ego louqueja que as religiões são bengalas que ajudam os homens mais preguiçosos a viver uma vida que os afastem das dúvidas existenciais mais profundas que somente a espécie humana é capaz de conceber. É-lhe dado uma explicação, um caminho, uma orientação. Satisfeito com isso, ele pára de se questionar, de buscar outro caminho e simplesmente segue o rebanho acreditando naquilo que lhe foi dito. Nesse ponto, o budismo é mais digno que o cristianismo, pois o caminho que leva o indivíduo à iluminação (e não salvação, porque ninguém precisa ser salvo!) é um caminho a ser percorrido individualmente e apenas por vontade própria.

No impávido colosso, existem muitos católicos. E um número maior ainda de católicos não-praticantes. Essa é, aliás, uma farsa estúpida que é impossível de compreender. Como alguém pode ser algo que não pratica? Como um jogador de futebol pode ser jogador de futebol se não joga futebol? Como um piloto de avião pode ser piloto se não pilota aeronaves? Na verdade, devaneia meu alter ego, o católico não-praticante é um sujeito que não tem mais paciência para as tolices da Igreja Católica, mas é preguiçoso para ir adiante, buscar outro caminho e prefere ser e não-ser ao mesmo tempo, com uma falsidade alarmante.

É que, na verdade, toda mudança exige esforço e poucos realmente estão dispostos a questionar o status quo, especialmente quando o assunto tem caráter religioso. Porém, existem tantas coisas menos ruins a quem precisa acreditar em algo, em relação ao cristianismo, que me causa espanto que pessoas aparentemente lúcidas e sadias dêem alguma importância para o que pensa a Igreja Católica. Crer em deus ou em deuses, crer na ciência ou na filosofia, nos próprios homens; todos podem buscar um sentido para a existência e é saudável que assim o façam. Entretanto, tal conhecimento deve emergir de dentro do próprio indivíduo e ninguém pode fazer o trabalho pelo outro; na melhor das hipóteses, orientá-lo a respeito do caminho a seguir. O cristianismo não orienta, ele determina o caminho através de seus dogmas e todos que padecem desse mal devem procurar curar-se antes que o câncer atinja o nível mais elevado de sua existência.

Namaste!