terça-feira, 3 de junho de 2008

Teoria do Absurdo

Estava eu a navegar despreocupado na Grande Rede quando, ao consultar o Grande Oráculo, descobri um web-blog deveras interessante, cujo ponto fonte é a irreverência e crítica a respeito do estar-vivo. Sempre utilizando - como o próprio nome sugere - de teorias de toda a ordem para explicar o inexplicável, ou ao menos praticar aquela masturbação mental que tanto agrada ao meu alter ego.

E, ao olhar o histórico do blog, descobri uma teoria muito interessante, chamada Teoria Geral do Absurdo. Nela, busca-se explicar o estar-vivo sob a óptica da impossibilidade de explicação, isto é, o absurdo. Tal teoria foi escrita há 10 anos pelo meu alter ego, quando recém estava a nascer os seus primeiros louquejares. Por isso, reproduzo-a abaixo na íntegra. Hoje ele não pensa exatamente da mesma forma, pois devaneia que, maior importante que chegar a conclusão que viver é absurdo, o maior interesse diz respeito à interpretação que o sujeito realiza com base nessa constatação e como é possível transcender a certeza da dúvida do estar-vivo sem precisar recorrer a amuletos como as religiões, os partidos políticos, o niilismo e coisas do gênero.

Namaste!

Jesus morre, morre, e já o vai deixando a vida, quando de súbito o céu por cima da sua cabeça se abre de par em par e Deus aparece, vestido como estivera na barca, e a sua voz ressoa por toda a terra, dizendo, Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência. Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria:

- Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez.

(Saramago)

Teoria Geral do Absurdo

Tudo que existe é absurdo. Logo, viver é absurdo. Esta é a conclusão final que cheguei, por ora, sobre o significado da vida, do estar-vivo, enfim, sobre a condição humana. Primeiramente esclarecerei em nível conceptual esta afirmação. Depois, em nível filosófico e por fim mostrarei que esta afirmação em nada se contrapõe às empiricamente concebidas pelo homem ao longo de sua história.

Por absurdo entende-se tudo aquilo que é contrário às leis da lógica ou é irredutível a elas. O facto de eu estar vivo decorre do facto de meus ancestrais um dia terem estado vivos, assim até o primeiro homem ter surgido. Sabe-se com o apoio da Teoria do Evolucionismo que o homem não surgiu completo, ou seja, não foi criado simplesmente. Ele evoluiu de outras espécies até chegar no estado denominado Homo Sapiens Sapiens. Assim também ocorre com todas as espécies vivas. Mas, perguntarei, aonde teve início a primeira espécie, o primeiro ser vivo? Disso não se pode ter certeza, mas acredita-se que tenha sido uma ameba, ou algo minúsculo. Através de milhões de anos, os seres foram evoluindo até chegar ao nosso tempo. Esta pergunta fica sem resposta, mas não dificulta em nada o entendimento sobre a o Teoria do Absurdo.

Não se sabe ao certo a origem do Universo. Entretanto, a teoria mais aceita é a da Grande Explosão (Big Bang), que reza que o início de tudo deu-se através de uma grande explosão. Antes, nada havia, ou tudo havia (o termo aqui transcende à lógica). O que havia era simplesmente uma quantidade de energia suficiente e gigantesca com força para criá-lo. Um erro fácil é imaginar que tudo que há é o que vemos. Com efeito, calcula-se cerca de 80 bilhões de planetas existentes no Universo. Isso daria em média 13 planetas para cada habitante do planeta terra. É provável que exista vida em outras planetas, até porque seria muita pretensão achar que somente nós seríamos contemplados com o absurdo.

O âmago da questão refere-se à criação de tudo que há, o momento zero. Surge duas hipóteses sobre o que ou quem criou esta energia: ou este algo sempre existiu (então pode ser chamado de Deus, ou qualquer outra coisa, não configurando em nada um Criador que fez do homem à sua imagem e semelhança), ou então foi criado por outra coisa, assim até chegar num ponto que algo tem que ter sido criado de algo. De qualquer forma, como o conceito de infinito é absolutamente incompreensível para o lógica humana atual, viver é absurdo, porque o estar-vivo é conseqüência da Grande Explosão.

A situação piora quando pensa-se que tudo que há, há porque um Deus criou (neste sentido, um Deus criador e pai). Mesmo assim, viver continua sendo absurdo, mas desta vez pela via oposta, ou seja, a de que tudo que existe tem uma razão de ser, porque Deus quis, e disso não se pode escapar. Assim, viver seria absurdo porque o acto de viver seria demasiadamente lógico, configurando-se em absurdo.

Esta não é, certamente, uma teoria de salvação. É uma teoria baseada no mais alto grau da condição animal, baseada no que de mais incrível e fantástico um animal pode ter, que é a sua capacidade de pensar. Poder-se-ia dizer que isso é a prova de [a idéia] Deus. Não discuto se é ou não, até porque é impossível saber. O que me parece claro é que viver é uma imposição. Ninguém escolhe nascer. Assim, este Deus não passa de um manipulador de fantoches, porque quando se é, não se sabe como se não é. E quando se não é, não se sabe como se é. Dessa forma, fica evidente que não temos escolha com relação ao estar-vivo, muito pelo contrário: o homem é um ser limitadíssimo, somente mais evoluído em relação aos seus irmãos biológicos porque pensa, e pensar não significa algo bom ou ruim, melhor ou pior: estes conceitos foram criados pelo homem, de nada valem, não servem como leis, carecem de totalidade. Um animal irracional simplesmente é, vive o que tem que viver, e isso é tudo. O homem cria fantasias, mitos, lendas etc., mas isso não passa duma realidade subjetiva, sem valor efetivo.

Outro ponto que quero esclarecer, e que me parece ser a chave para muitas respostas. A maioria das pessoas não pensa... O homem, em sendo um animal, não foi feito para pensar. Deve viver. E quem pensa não vive [apud Sartre]. Pois bem: o método empírico é sempre anterior ao racional. Ora, o conceito de Deus é a explicação empírica do homem para explicar o inexplicável. Entretanto, este inexplicável é relativo: volta-se dois mil anos no tempo e ter-se-á um homem reverenciando o Deus da chuva, ou o Deus do fogo. Hoje, sabe-se que a causa da chuva ou do fogo não é uma acção direta de Deus. Logo, quanto maior for o conhecimento, menor será a crença em divindades para explicar o inexplicável. E nisso reside o ponto chave desta tese: já que a maioria das pessoas não pensa, talvez por acomodação, talvez por ignorância, é mais fácil crer num Deus providencial para explicar o que não se consegue entender. Dessa maneira, claramente percebe-se o caráter superficial que qualquer crença religiosa adquire, não suportando a mínima crítica.

Com efeito, não pretendo ser dogmático como procedem as religiões. Aliás, considero a possibilidade de eu estar completamente equivocado com relação às minhas teses. Não morreria por elas, de forma alguma. Como cada afirmação necessita de outra para se completar, assim num processo infinito (absurdo), o que me importa é a discussão em torno de argumentos. De uma maneira geral, não condeno quem crê em dogmas religiosos ou leva uma vida superficial. É mais fácil viver assim. Evita-se o sofrimento. Esta não seria uma função da religião? Pois bem, viver em ilusão, crer em algo que não existe, se assim proceder a maioria, não será motivo de tormento. Porém, depois de se encontrar o caminho, depois de se conseguir ver criticamente as coisas, fica muito difícil seguir a maioria. Por fim, vale um consolo: o sofrimento em nível biológico é uma prova da nossa superioridade evolutiva. Como o conhecimento é infinito, a ignorância também o é. Logo, é impossível saber tudo. Assim sendo, quanto maior for o conhecimento de alguém, também será maior a sua ignorância. Busco, por fim, ficar mais ignorante do que já sou.


Alter Ego, 05/11/1998