quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O Escolhido do Impávido Colosso

Ao ler, há algumas semanas, a notícia que o filme O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias foi o escolhido para representar o Impávido Colosso na premiação estadunidense do Oscar 2008, um louquejar me ocorreu. Muitos esperavam que Tropa de Elite fosse o escolhido, talvez excitados com a acção dos super-heróis bopenses, mas o fato é que o belo e suave filme de diretor Cao Hamburger foi o eleito.

Primeiro é preciso que se diga com todas as letras: pouca importância e relevância tem uma festa como esta do Oscar. Somente o fato de haver uma premiação para melhor filme estrangeiro, em detrimento ao melhor filme, já é um indício de má-fé e megalomania daqueles que organizam tal evento. Era de se esperar, em se tratando da pseudo-cultura estadunidense. Quer dizer que existe o melhor e o melhor do resto? Francamente! Assim como os habitantes dos Estados Unidos da América se consideram americanos, pura e simplesmente, esquecendo-se que todos que vivem na América (Sul, Centro e Norte) também o são, a premiação hollywoodiana somente corrobora este pensamento esdrúxulo de mundo. O que dizer duma academia que já premiou coisas como The Lord of the Rings, Forrest Gump, Shindler's List etc., e ainda adora venerar produções que insistem em mostrar uma visão parcial e alienada de certos factos da História Mundial, repetindo-os a torto e direito como se fossem maiores do que realmente o são?

Quanto ao filme tupiniquim: uma produção que retrata o período de repressão da ditatura militar sob a óptica de um garato de 12 anos, durante a Copa do Mundo de Futebol de 1970. O garoto, abandonado pelos pais, em função de perseguição política, tem de se virar numa cidade e realidade totalmente diversa da que está acostumado. Ao ver os dois filmes e compará-los, considerando por óbvio apenas este fragmento de estado de coisas, aumentou a minha dúvida a respeito de qual sociedade seria mais interessante de se viver. Pois de um lado, apesar dos esforços dos super-heróis bopenses, temos a guerra civil mostrada em todas suas cores, de forma nua e crua; de outro, uma sociedade ainda estruturada, onde não existia tal guerra como hoje a conhecemos.

Comparar 1970 com 2007 é viajar 37 anos no tempo e notar que: as ruas eram limpas, não existiam pedintes, mendigos, flanelinhas e toda sorte de infelizes que poluem a sociedade de hoje. A violência era mínima se comparada aos dias de hoje; não existiam grades e alarmes por todos os lados. Havia ainda inocência e se acredita que o Impávido Colosso era o País do Futuro... E também a população não havia crescido em quase 100%, aumentando consideravelmente a quantidade de pessoas cuja existência é resumida em sofrimento e privações de toda ordem. Para existir desta forma, seria melhor não existir!

O grande inconveniente daquela sociedade era a repressão imposta pelo Monstro Frio sob o domínio dos militares. Não se pode esquecer, sequer tolerar, que meia dúzia de ignorantes de farda, sem qualquer formação intelectual, possam dizer o que é certo ou errado, o que é justo ou não. Assim penso eu a respeito da repressão militar. Mas louvar a sociedade democrática, seu outro oposto, também não me faz delirar. Ao menos não na democracia que hoje se concebe, com seu fedor de igualdade exalando por todos os lados. A democracia grega, por exemplo, seria um bom modelo a se seguir, que na realidade é uma organização aristocrática de sociedade. E o mérito, ao invés da força, deve ser o do conhecimento; e a força deve apenas garantir que o melhor governe. Resta, pois, definir o conceito de melhor. Não me parece tarefa fácil, e embora encontre subsídios na classe intelectual, parece-me que haveria espaço para outras manifestações do saber, o que não invalidaria o modelo da sociedade.

Namaste!
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O Ano em que meus Pais Saíram de Férias (2006)

» Direção: Cao Hamburger
» Roteiro: Cláudio Galperin, Bráulio Mantovani, Anna Muylaert e Cao Hamburger, baseado em história original de Cláudio Galperin e Cao Hamburger
» Gênero: Drama
» Origem: Brasil
» Duração: 110 minutos

» Sinopse: Os pais de um garoto inesperadamente o deixam com o avô paterno, por terem que fugir devido à repressão da ditadura militar. Com Paulo Autran, Simone Spoladore e Caio Blat.

Fonte: Adoro Cinema

sábado, 20 de outubro de 2007

O Perdão do Carneiro

Estava eu a pensar em qual seria o próximo louquejar deste espaço de vouyerismo pós-moderno quando saltou-me ao ecrã uma poesia cujo fragmento utilizo na chamada deste Chá: "toma um fósforo e acende teu cigarro!" Sim, Augusto dos Anjos! Versos Íntimos não é uma simples poesia; é uma obra de arte! O dia que a Toda Poderosa colocar um de seus pseudo-atores a recitá-la no último capítulo de um engodo das 8, eu viro Forrest e corro dois meses do Oiapoque ao Chuí!!! E, com isso, aproveitei para reler algumas de suas poesias, e deparei-me com este pedido de desculpas aos carneiros, na qual o seu carrasco faz um mea culpa por tê-lo matado. Na verdade, é um mea culpa do homo sapiens sapiens às demais espécies, frágeis e submissas, considerando o mundo animalesco do cruel tipo homem.

Pode-se considerar, como hipótese, que a existência débil de um carneiro seja pura e simplesmente servir ao tipo homem quando lhe for útil? Ou ainda servir de modelo para retratos de paisagens bucólicas? É interessante pensar na utilização da mesma lógica em relação ao próprio homem; afinal, o carneiro é uma metáfora para a submissão e ignorância humana. A utilidade do carneiro-homem não é a sua carne, tampouco a lã que não possui. Muito menos aquilo que a nossa espécie conquistou a duras penas: o seu pensar, o seu sentir, o seu questionar e, em última análise, a possibilidade de uma existência menos bestial. A sua utilidade reside justamente na servidão, como meio para a existência de outros animais-humanos, como porcos e cães. Se o carneiro tivesse consciência deste estado de coisas, o que ocorreria?!

Revolução é nome o nome dado a essa tentativa de mudança de estado de consciência, em geral por indivíduos afectados por ideais como igualdade, justiça e fraternidade... Porém, o carneiro não é carneiro à toa, e sua personalidade fraca e submissa talvez não suporte tal pressão e este prefira continuar no seu pequeno mundo encantado do pastar (ou seria pastalienar, algo como pastar com alienar?). Porque ser carneiro é viver confortavelmente! E morrer debilmente! E, talvez, no Paraíso receba as desculpas que lhe são tão merecidas... até lá, resta-lhe viver pastalienadamente.

Namaste!

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A um Carneiro Morto

Misericordiosíssímo carneiro
Esquartejado, a maldição de Pio

Décimo caia em teu algoz sombrio

E em todo aquele que for seu herdeiro!

Maldito seja o mercador vadio
Que te vender as carnes por dinheiro,
Pois, tua lã aquece o mundo inteiro
E guarda as carnes dos que estão com frio!

Quando a faca rangeu no teu pescoço,
Ao monstro que espremeu teu sangue grosso
Teus olhos — fontes de perdão — perdoaram!


Oh! tu que no Perdão eu simbolizo,

Se fosses Deus, no Dia do juízo,
Talvez perdoasses os que te mataram!

Augusto dos Anjos

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

O Tráfego e a Elite

Assisti ao filme que está causando burburinho nos habitantes do Impávido Colosso: Tropa de Elite. Quanto ao filme, uma boa produção, com muito sangue e violência, personagens cuja corrupção e ausência de valores morais são uma constante, e evidencia uma das máximas que gosto muito, e que se aplica perfeitamente nesse caso: quanto mais conheço os homens, mais admiro os cães, Lord Byron. Os cães, aliás, que conhecem tão bem a felicidade... De qualquer forma, tudo dentro do que a realidade tupiniquim nos apresenta. A própria realidade tornou-se subsídio para um entrelienar digno do cinema estadunidense, ainda que muito superior a este.

Algumas coisas são fantasiosas, como o fato de sugerir que apenas uma categoria policial é incorruptível. Quer dizer que um policial comum é corrupto por definição? Para fazer parte desse segmento restrito, o sujeito deve passar por testes pesados e insanos, esquecer de si e torna-se imerso na arte da estratégia militar, de modo a mostrar o seu (des)valor e fazer jus a participar do grupo de super-heróis especializados em manter a ordem nas favelas da Cidade (outrora) Maravilhosa. E, naturalmente, deve agir com a mesma amoralidade dos famigerados bandidos: torturar e matar quem estiver no caminho e for meio para o fim em suas operações especiais. Muitas vezes, pessoas inocentes, ou simplesmente usuários de drogas ilícitas, são simples pedrinhas no caminho a atrapalhar um objectivo maior.

E pensando nisso comecei a me questionar sobre o porquê deste estado de coisas, e uma dúvida me arrebatou fortemente: se a causa desta guerra civil é o tráfego de drogas ilícitas, o que ocorreria se tais substâncias fossem legalizadas, isto é, se não houvesse mais razão para existir tráfego, porque drogas como maconha(?), cocaína, heroína, crack etc. estariam disponíveis à venda em qualquer supermercado?!

Acredito ser ilusório e infantil julgar que algum dia as pessoas deixassem de consumir tais drogas. Filosoficamente, o sujeito deixa a sua realidade opressora, sem sentido e bestial em busca de uma transcendência que seja libertadora e produza uma rápida sensação de alívio para suas dores mais profundas. É ilusório, como se sabe. Mas a vida mesmo, tal como a concebemos, não é uma enorme ilusão?! Assim penso eu nas razões para tal comportamento. Tal necessidade está além do convívio social, e os esforços para combater tal situação são inúteis e apenas ajudam a alimentar a disputa por poder e território.

Na verdade, o Monstro Frio pensa que pode determinar o que é certo, ou errado. Cigarros e bebidas alcoólicas são permitidos, ao passo que um simples baseado é proibido! Isso beira a hipocrisia, além de ser ridículo. Como princípio, sustento que algo que somente a mim cause prejuízo não compete a ninguém, muito menos ao Monstro Frio, predizer o que é permitido ou não. Alguns podem balbuciar: o mundo seria um caos se permitissem que todos usassem drogas ilícitas, porque muito mais pessoas passariam a consumir. Mas o mundo já não é um caos com tal proibição?! E, além disso, se julgarmos dessa forma, teríamos de aceitar que muitas pessoas não o fazem simplesmente por medo de possíveis conseqüências, e não por convicção pessoal dos malefícios causados. Vejo vários benefícios diretos da liberação, como a produção de uma droga com controle de qualidade, logo com menores chances de morte por overdose, arrecadação de impostos (isso o Monstro Frio adora!) recorde e, finalmente, a diminuição ou até extinção da guerra do tráfego.

Por que tal mudança não é sequer cogitada pelos porcos do Impávido Colosso? Por que tal idéia causa repúdio e aversão a muitas pessoas? Como louquejar, quando uma idéia parece muito absurda e causa repulsa, há algo ali que tem a sua porção de verdade, que não quer calar! Eu, que encontrei no consumo de chás uma forma de transcendência, gostaria de viver numa sociedade na qual as pessoas pudessem ao menos pensar num espectro mais amplo em possibilidades para a resolução efectiva de seus problemas. Porque simplesmente pensar que uma polícia como a do BOPE seja solução para alguma coisa é passar atestado de estupidez em nível demencial.

Namaste!
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Tropa de Elite (2007)

» Direção: José Padilha
» Roteiro: Rodrigo Pimentel, Bráulio Mantovani e José Padilha
» Gênero: Ação
» Origem: Brasil
» Duração: 118 minutos

» Sinopse: Um capitão do BOPE quer deixar o posto e busca um substituto, ao mesmo tempo em que 2 amigos se destacam por sua honestidade como policiais. Dirigido por José Padilha (Ônibus 174) e com Wagner Moura e Caio Junqueira no elenco.

Fonte: Adoro Cinema

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Chá com Açúcar

Nestes últimos dias, estava eu a pensar no tempo que dedicamos a certas coisas em detrimento de outras. E como isso influencia a nossa percepção daquilo que julgamos como realidade. Tudo isso me ocorreu em função do burburinho em função do término de uma novela da Toda Poderosa, que se findou recentemente. É incrível como um pseudo-drama, de uma pseudo-dramaturgia e com pseudo-atores pode entrelienar de tal forma os habitantes do Impávido Colosso.

Não assisto a estas produções, mas já as assisti há uma dúzia de anos. Fi-lo (para lembrar o candidado da vassoura...) para me entreter, como era de se esperar, embora sem consciência disso. Não pretendo que as pessoas que o fazem deixem de fazê-lo, mas é preciso situar as coisas: comer uma merenda no supra-sumo do fast food é como ingerir pitadas de veneno em pequenas porções. Mesmo sabendo disso, ainda muitas pessoas comem lá. Com as novelas da Toda Poderosa não é diferente, mas ter consciência do lixo que se vê já é um começo para o questionamento que deveria nortear alguém que tenha uma visão crítica sobre o estado de coisas que nos cercam.

Pois bem: com o passar do tempo e do desenvolvimento do senso crítico, algumas coisas se tornam mais claras (ou menos obscuras). Por exemplo: o sujeito desperdiça em torno de 160 horas de seu tempo, distribuídas ao longo de seis meses, para contemplar o espetáculo degradante que nos é apresentado. As tramas são infantis, os atores sofríveis; o conteúdo é recheado de preconceitos e falsos moralismos do início ao fim, dicotomias dignas do cinema estadunidense. Com 160 horas é possível assistir a 80 filmes!! Ou ainda escutar a discografia completa do Pink Floyd por várias vezes!! Quanto a pseudo-trama: por que aqueles rotulados como os maus não podem dar-se bem ao final? Somente os bons tem essa prerrogativa. Ao que me pergunto: são as pessoas boas ou más todo o tempo? Segundo tais engodos, sim. Como se em cada indivíduo não houvesse o santo e o pecador a coexistir! Mais ou menos como muitas religiões pregam: no final, os bons, os justos e os sofridos serão recompensados. Os fortes, os dominadores e os maus serão punidos e pagarão por seus actos, ou morrerão. A vantagem da novela é que ela promete e cumpre em terra; as religiões, somente após o derradeiro ocaso.

Pouco entendo de dramaturgia, mas algumas coisas chamam-me atenção. Compare as imagens abaixo. Uma é de um chá com açúcar conhecido, outra é da série estadunidense Dead Zone e a terceira do é do filme alemão A Vida dos Outros.


Enlatado global, Dead Zone e A Vida dos Outros

Percebe-se o foco dos atores: nas novelas, a face é focalizada, quase cortando o rosto do sujeito; na série estadunidense, como no filme alemão, há um distanciamento maior dos atores, que estão preocupados muitas vezes com algo além de seus pseudo-dramas existenciais.

Não sei precisar o porquê disso, mas arrisco um devanear: o foco para a face e somente para ela é uma forma de visualizar a realidade única que cerca o sujeito, não permitindo outras interpretações do resto, isto é, tudo que há. Os dramas pessoais são infinitos e não há espaço para o resto. O que é o resto?! É apenas tudo que há! Se não existisse este espaço, para além dos pequenas dramas mundanos que norteiam os personagens, como o estado de coisas de tudo que há mudará? E quem deseja que mude? A quem interessa manter o status quo? Mesmo porque em três meses ninguém mais se lembrará do conteúdo do pseudo-trama, que efetivamente já terá cumprido o seu papel de entrelienar, ao passo que uma nova pseudo-questão estará a abalar os teleespectadores da Toda Poderosa.

Postscriptum: lembra-te que este é um chá de ficção e qualquer semelhança com chás reais terá sido mera coincidência.

Namaste!