quinta-feira, 1 de março de 2012

Sinédoque, Nova York

"It's a big decision, how one preferes to die."
Synecdoche, New York é um destes filmes em que é necessário ver mais de uma vez para uma melhor compreensão. Trata-se de uma história complexa, repleta de detalhes que passam a fazer mais (ou menos) sentido à medida que se conhece melhor a história e, conseqüentemente, compreende-se melhor os personagens. A trama desenvolve-se de modo que não é fácil distinguir entre realidade e fantasia e tal fato pode, naturalmente, tornar a história confusa e sem conclusões definitivas em seu final.

Este é o melhor tipo de filme. Ao contrário de soluções fáceis e nas quais não é necessário pensar, refletir, pois tudo está explicado ao final; tudo possui fácil digestão e tudo serve apenas como meio de entretenimento. Meu alter ego, no entanto, deseja e se interessa apenas por aquilo que o estimule a transcender à mesmice ordinária de filmes-enlatados, grande parte deles estadunidenses, que tornam o sujeito superficial, anestesiado em sua própria mediocridade. Isso reflete, de certa forma, a própria mediocridade da sociedade contemporânea, engasgada em sua superficialidade e que rejeita por princípio qualquer reflexão mais aprofundada a respeito da vida.

A história, em essência, versa a respeito do diretor de teatro Caten Cotard, um sujeito que vê a sua própria vida desmoronar ao ser abandonado por sua esposa e filha. A partir deste fato, desenvolve uma série de doenças de difícil diagnóstico por médicos. Aliás, a crítica em torno desses profissionais da saúde mostra a forma fria e mercantilista com a qual o universo médico opera. E mais: uma crítica à própria arrogância da medicina e sua pretensão de tudo saber a respeito do corpo humano.

Ninguém pode resolver a sua própria dor existencial com livros de auto-ajuda, calmantes ou drogas do gênero. A maior e mais profunda dor é a dor existencial diante da perplexidade do estar-vivo e da consciência da finitude que somente a nossa espécie possui. O melhor e o pior do homo sapiens sapiens é justamente aquilo que o diferencia das outras espécies.

Ao longo da película, Caten somente consegue melhorar quando, em resposta a todo o sofrimento de sua vida, decide criar a maior peça de teatro de todos os tempos: a teatralização da própria vida. Tudo que lhe aconteceu e tudo que lhe acontece servem de pretexto para transformar-se numa cena. Uma peça que é realizada num enorme palco, com milhares de atores e que, apesar de todos os esforços, nunca chega a estrear. Passam-se 30 anos de ensaios diários sem que a peça esteja "pronta". Interessante notar que os ataques de Caten em geral ocorrem após frustrações pessoais profundas, como quando sua mulher Adele o ignora ao telefone em Berlin, ou quando Caden vai atrás de sua filha e descobre o presente que ele enviara nunca fora recebido. Ao passar dos anos e com a construção de sua peça no sinédoque e consequente enfrentamento do seu sofrimento, a condição de saúde de Caden mantém-se estável e os ataques cessam.


Synecdoche, New York é uma película complexa que trata de nascimento, morte, separação e relacionamento. E, acima de tudo, de sofrimento. E de como o tipo homem enfrenta o sofrimento. Afinal, uma coisa é sofrer, que é natural e inerente ao ser vivo. Outra é ter consciência do sofrer. A linha tênue entre fantasia e realidade é um elemento central da película. Afinal, Caten esteve vivo durante todo o tempo ou, em determinado momento, sonhou em como seria a sua vida futura ou morreu e o restante foi apenas um sonho dos últimos minutos de vida? E o homem que o seguia e que futuramente representou a si mesmo em sua peça? Existiu, de fato? Estas questões e outras não possuem uma explicação definitiva, apenas teorias conjecturadas com fundamento nos elementos que são apresentados. Analisando desta forma, o Sinédoque é na realidade uma representação da própria vida e todos os elementos que a compõe, e no qual a teatralização dos atos torna-se um imperativo para diminuir o estado de sofrimento do homem.


Namaste!

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Sinédoque, Nova York (Synecdoche, New York, 2008)

» Direção: Charlie Kaufman
» Gênero: Drama
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 124 minutos

» Sinopse: Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman) é um diretor de teatro que está preparando uma nova peça, ao mesmo tempo em que enfrenta problemas pessoais. Sua esposa, Adele Lack (Catherine Keener), resolveu deixá-lo para morar em Berlim, levando consigo a filha Olive (Sadie Goldstein). Madeleine Gravis (Hope Davis), sua terapeuta, aparenta estar mais interessada em divulgar seu best seller do que em ajudá-lo. Preocupado com a vida e seu estado de saúde, cada vez mais debilitado, Caden decide reunir um grupo de atores em um armazém de Nova York. Lá ele pode enfim dar vazão à sua criatividade, buscando uma peça que seja cada vez mais um paralelo de sua própria vida.
Fonte: Adoro Cinema