segunda-feira, 28 de abril de 2008

O Rádio, o Terremoto e o Tempo

Num dia destes, na hora do lusco-fusco de um dia monótono, na qual as formiguinhas correm para seus lares acotovelando seus pares num sentimento bestial para chegar rápido, louquejei comigo mesmo a respeito da causa da infelicidade humana, ao mesmo tempo que escutava notícias sobre o terremoto que atingiu o Impávido Colosso há alguns dias.

Meu alter ego pensou em quantos terremotos seriam necessários para mudar significativamente todo o estado de coisas tipicamente tupiniquim, que perdura já há mais de 500 anos! A destruição como condição para a construção, eis uma fórmula simples para se pensar a respeito da condição evolutiva do homo sapiens sapiens.

E, cansando de escutar coisas sobre a realidade do cruel tipo homem, mudei a estação do rádio e deparei-me com um clássico do rock progressivo: Time, do Pink Floyd. Pareceu-me uma ótima canção para aquele momento e passei a ouvi-la e deixei-me envolver pela música, pensando comigo mesmo: o momento a partir do término dos relógios a gritar abruptamente e início do som de batimentos cardíacos, devaneia meu alter ego, é onde encerra o desespero humano aprisionado pela interpretação de tempo que construímos, iniciando-se um momento reflexivo a respeito dos valores próprios que tal interpretação, continuamente falsa, ocasiona na vida ordinária que vive o tipo homem.

Com o fôlego mais curto e a cada dia mais próximo da morte: eis o pensamento de quem fica paralisado diante da percepção do tempo e da nossa incapacidade de alterar este estado de coisas. Por isso, meu alter ego inveja os cachorros, já que eles não negaram a sua condição animal e, ao contrário, elevaram-na a níveis existenciais mais toleráveis. A percepção do presente, livre de passado e futuro, é o único tempo que de fato existe. Mas a sensação que os anos ficam mais curtos, e nunca há tempo sobrando, é a causa do mais profundo sofrimento humano. Por isso, um pensamento de repetição de tudo que há significaria um suicídio para a maioria dos mortais, visto que pensam que só poderia existir felicidade no além-vida.

No final, não há - devaneio eu - maneira de mudar a percepção que temos do tempo a não ser através de um profundo mergulho no pensamento dionisíaco. Mergulho este que, em boa parte dos casos, tem como conseqüência inevitável a perda da razão, o que - para a nossa espécie - significa a perda da própria existência. À excepção de tal possibilidade, suponho que o único fato relevante é que toda a lua é, no final, completamente escura; nós é que desejaríamos que ela fosse diferente...

Namaste!

terça-feira, 8 de abril de 2008

Emolumentos da Ignorância

Estava eu a esperar por uma autenticação num destes estabelecimentos provenientes da era Industrial quando, na sonolenta espera, recebi por fim a autenticação que fui buscar e, junto com ela, o recibo que dizia: emolumentos. Num louquejar repentino, desnudando o verbete do seu significado intrínseco, pensei cá comigo mesmo que tal palavra servia bem para definir aquele lugar e também aquelas pessoas, cujo trabalho mecânico era estúpido demais para suportar e, como conseqüência inevitável, terminaria por aniquilá-las em absoluto até o precipício humano da mecanização!

Para comprovar com fé pública de um burrocrata que um documento é verdadeiro torna-se imperativo tal autenticação. E, no breve intervalo entre a entrega do documento e recibo, freei o meu instinto libertador de atirar-me para fora daquele ambiente e fiquei sentindo a sonoridade da palavra fatídica emolumentos...

E, ao pensar em todo este estado de coisas, retardei a minha saída do recinto e parei-me para observar o ambiente e constatei que todos ali tinham em sua face uma expressão que me dizia: emolumentos! E, repetindo tal palavra, cortei-a e o novo som que me ocorrera era: emolumentos, emulamentos, emolu, emula, sim, e-m-u-l-e!!! Esta é a palavra dos novos tempos! Um software livre que transporta um mundo de bits da era digital, ao facilitar o compartilhamento de arquivos entre milhões espalhados pelo mundo!

E quais são as semelhanças entre a mula digital e a industrial? Ambas carregam o peso da sua era, porém uma está fazendo o serviço sujo através da inteligência humana, deixando para o homo sapiens sapiens a tarefa de divertir-se e obter conhecimento que beira ao infinito. A outra mula, formada por humanos, refere-se a uma realidade decadente, na qual perpetua-se a ignorância do cruel tipo homem.

E, ao finalmente sair do ambiente, acender meu cigarro e poder respirar ar puro, deixando as emulamentas para trás, não me senti triunfante, mas apenas sereno: pois ao menos meu alter ego conseguiu sobreviver a tal ambiente sem deixar-se contagiar por ele e, rapidamente, um breve poema nasceu ao sol infernal de final de março no Impávido Colosso.

Namaste!

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O Emolumento e a Mula

Emolumentos,
Quantas mulas a carimbar!

Na fila sofrida,
O som da chamada é libertar!

Nem o rosto patético,

Nem o procedimento absurdo,
Far-me-á desisitr.

Finalmento é hora de ir embora
E o som do carimbo a emular
Não me faz delirar!

Porque a verdadeira mula sou eu
Que paga e sustenta
Estas emulamentas!

Alter Ego