sexta-feira, 7 de março de 2008

O Artista, a Obra e a Grande Rede

Ao assistir a festa estadunidense do Oscar 2008 resolvi fazer o que já tinha feito no ano anterior, isto é, selecionar alguns filmes para assistir. Naturalmente o único local onde consegui localizar tais filmes foi na Grande Rede, através de programas de compartilhamento de arquivos. É dessa forma que um louquejar me ocorreu: como estes anônimos indivíduos, que nada ganham ao compartilhar arquivos e disponibilizar serviços, conseguem exercer o ócio criativo próximo de sua plenitude e também como o mundo industrial e os que nada criam estão a ruir porque o seu negócio está em extinção.

Não me refiro ao CD ou DVD comprado em mercado público a R$10,00. Neste caso, são apenas desafortunados vendendo para outros desafortunados cópias em geral de péssima qualidade, uma vez que nem todos podem suportar pagar por cópias ditas oficiais e legais. Refiro-me ao compartilhamento anônimo na Grande Rede, na qual é possível baixar o último capítulo da sua série favorita em poucas horas após o seu lançamento no país de origem, e com direito a legendas e cópia de boa qualidade. Pois somente um alienado poderia supor que alguém pagaria R$100,00 para comprar uma temporada de uma série qualquer, por exemplo, em que menos de 10% do valor termina no bolso do artista, do que buscar na Grande Rede gratuitamente e com a mesma qualidade. Além disso, há o fator tempo: num mundo globalizado, quem esperaria um filme ser lançado no seu país se já foi exibido em seu país de lançamento? Por que eu preciso esperar 6 meses para assistir algo que está a minha disposição facilmente?

A arte está num nível transcendental da criação humana, e possui valor por si só, ao contrário da maioria das tarefas cotidianas que fazemos repetidamente como macacos no dia a dia. Dessa forma, existe melhor retribuição para um artista do que ver o seu trabalho sendo apreciado por vários indivíduos, de diferentes culturas e em várias partes do mundo? A satisfação do outro é o melhor pagamento que se deveria buscar. Mas no mundo capitalista, onde um filme é avaliado por quanto arrecadou em bilheterias e derivados, o conceito de arte transforma-se num engodo comercial, enriquecendo pseudo-artistas e sanguessugas de toda ordem! Sensibilidade e capital são coisas que não combinam, e o artista que por princípio desejar como objetivo primário de seu trabalho obter muito dinheiro corrompe não somente a si mesmo, mas também o próprio conceito artístico e o elemento dionisíaco tão necessário no próprio processo de criação. Pois seja: deixemos os lucros gigantescos para os cães-acionistas, já que é a única coisa que de fato podem possuir, pois nada podem criar e por isso resta-lhes apropriar-se da criação alheia.

Existe mesmo uma cadeia de sanguessugas cujo objetivo é lucrar com a obra alheia. E, naturalmente, para estes quem obtém uma cópia gratuita de seus produtos é um criminoso, visto que atrapalha a fonte que alimenta o seu estado parasital. Distribuidores em geral, governo e seus impostos, patrocinadores, divulgadores, entre outros são uma parte que nada cria, e em nada contribui para a qualidade da obra de um artista. Obviamente me refiro aos verdadeiros artistas, aqueles que não precisam ganhar milhões de dólares e não se incomodam com a suposta pirataria, pois isso diminui seus altos lucros, nem tampouco aos enlatados criados por grandes corporações e cuja qualidade artística é deplorável.

Consumo baixar freqüentemente filmes, séries, documentários e músicas da Grande Rede. E hoje há uma infinidade de opções, graças ao trabalho voluntário de milhares de indivíduos espalhados pelo mundo. Tais indivíduos trabalham de uma maneira muito próxima ao ideal do ócio criativo, pois ao disponibilizar um filme e sua respectiva legenda, o sujeito está estudando um idioma estrangeiro, as ferramentas computacionais para gerar a própria legenda e os mecanismos de compressão para tornar viável a distribuição do filme; está exercitando o seu lazer, visto que não é pago para isso e ainda assim o faz com mais motivação do que se fosse; e, finalmente, está dispondo de algumas horas do seu tempo num trabalho que até não parece trabalho, mas o é em sua plenitude e se aproxima do ócio criativo, visto que há um elemento colaborativo intrínseco no produto gerado. Para o pensamento industrial, tal sujeito é um vagabundo e criminoso, que deveria arrumar algo útil para fazer da vida. Por outro lado, sob uma perspectiva diferente de trabalho, percebe-se que tal esforço produz uma relação de satisfação ímpar e o posiciona na vanguarda das relações de trabalho do século XXI.

O verdadeiro ator encontra-se no teatro; ao encarar o público de frente precisa improvisar e com isso vive aquele momento em toda sua plenitude. De forma semelhante, o músico virtuoso ganha notoriedade ao tocar ao vivo, pois assim mostra verdadeiramente o seu talento, técnica e grandiosidade. Estes sim devem ser recompensados pela sua contribuição em elevar a condição animal do tipo homem através da arte! Ao contrário das superproduções cinematográficas estadunidenses, ou mesmo dos pseudo-atores novelescos do Impávido Colosso, ou ainda dos pseudo-cantores fabricados pela mídia de massa, que em essência constituem lixo em nível demencial. Com auxílio da Grande Rede, devaneia meu alter ego, tendem a desaparecer porque não terão mais a fonte que alimenta seus delírios megalomaníacos de ganho de capital a todo custo.

Namaste!