quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Soberania dos Pássaros

Há poucas coisas que são interessantes em se locomover de ônibus de um lado para outro numa grande cidade. Numa capital do Impávido Colosso, algum agente do Monstro Frio saiu de si e teve a idéia de fixar poemas em seus vidros. Isto é, no meio do burburinho cotidiano, onde a máxima de Sartre - O Inferno são os Outros - parece fazer todo o sentido possível, há um espaço para breves louquejares diários, onde o sujeito pode, ainda que brevemente, deparar-se com pensamentos dionisíacos e transcender ao cotidiano ordinário que o cerca.

Tão interessante, porém, quanto ler tais poesias, que em geral são de escritores anônimos, é perceber a transformação que estas causam nas raras pessoas que o lêem. Poucos, aliás, têm a capacidade de sair de si e abrir espaço para o mundo encantando que não é dominado pelo deus Apolo. Pode-se ganhar o dia ao ler algo que modifique a nossa percepção da realidade, que afinal é ilusão do início ao fim! E, ilusão por ilusão, prefiro a ilusão das palavras que melhor representam o espírito dionisíaco, em detrimento de uma racionalidade irracional que domina o tipo homem!


O que me levou a pensar nisso foi justamente um dos poemas que li há alguns anos e jamais esqueci: Os Pássaros, de Abi Miranda. Sempre que vejo um pássaro, lembro-me de tal poesia. Nela, há uma adequação necessária entre os benefícios de ser pássaro, em comparação às limitações do homo sapiens sapiens. Como deve ser transcendente poder voar, comer e cantar quando se quer! Por isso, reproduzo-a aqui e, embora eu já a conhecesse em meus pensamentos, foi numa pesquisa na grande rede que encontrei um único sítio que a reproduz tal e qual a conheci. E isso é motivo de celebração! E, secretamente, invejar os pássaros!

Namaste!

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Os Pássaros

Ah! Como eu invejo os pássaros.
Eles levantam cedo,
cantam o dia todo,
comem quando têm fome,
dormem à noite,
e "de quebra"...
. ...voam

Eu levanto tarde,
não tenho o dom do canto,
Como quando tenho o que comer,
sofro de insônia,
e se tento voar...
. ..."me quebro".

Abi Miranda - da série Poema No Ônibus

Um comentário:

Tiago Soldá disse...

Muito bom este poema! Se todos que lêssemos no ônibus ou no trem fossem deste nível, tudo bem. O grande problema, é que as pessoas que "publicam" os poemas nos meios de transporte públicos, acredito que publicam muito mais por interesse de fazer um nome aparecer, do que interesse em incentivar a cultura, pois afinal de contas, tem cada um que vou te contar... na minha "médio-cridade" escrevo algo mais tragável.

Abraço!