Em tempos de superaquecimento global acho conveniente pensar no que representamos como espécie diante do mundo que vivemos. E, naturalmente, destruimos com a mesma mestria com que construimos. Hoje, a natureza cobra o seu preço e eu cá não posso deixar de me rir com a desgraça humana. Como!? Sim, às vezes tenho vergonha de pertencer a esta espécie imunda que em menos de 100 anos fez as barbaridades que conhecemos.
Ontem, o homem era o centro de tudo. Hoje, o Deus Mercado dá as cartas. Amanhã, as baratas reinarão soberanas. Quem de nós tem a coragem de olhar para uma barata e sentir-se envergonhado?
Divagações à parte... Esta poesia, do inigualável Drummond, mostra todo o seu ódio pelas guerras e tudo que ela - no formato de bomba - pode produzir. Por outro lado, ao lê-la e substituir os termos bomba por homem, essa poesia passa a fazer um sentido ainda maior. Eis-la:
Namaste!
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A bomba
é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba
é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba
é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles
A bomba
é grotesca de tão metuenda e coça a perna
A bomba
dorme no domingo até que os morcegos esvoacem
A bomba
não tem preço não tem lugar não tem domicílio
A bomba
amanhã promete ser melhorzinha mas esquece
A bomba
não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está
A bomba
mente e sorri sem dente
A bomba
vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
A bomba
é redonda que nem mesa redonda, e quadrada
A bomba
tem horas que sente falta de outra para cruzar
A bomba
multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação
A bomba
chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés
A bomba
faz week-end na Semana Santa
A bomba
tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia
A bomba
industrializou as térmites convertendo-as em balísticos interplanetários
A bomba
sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose, de verborréia
A bomba
não é séria, é conspicuamente tediosa
A bomba
envenena as crianças antes que comece a nascer
A bomba
continnua a envenená-las no curso da vida
A bomba
respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais
A bomba
pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba
A bomba
é um cisco no olho da vida, e não sai
A bomba
é uma inflamação no ventre da primavera
A bomba
tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro, cobalto e ferro além da comparsaria
A bomba
tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.
A bomba
não admite que ninguém acorde sem motivo grave
A bomba
quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
A bomba
mata só de pensarem que vem aí para matar
A bomba
dobra todas as línguas à sua turva sintaxe
A bomba
saboriea a morte com marshmallow
A bomba
arrota impostura e prosopéia política
A bomba
cria leopardos no quintal, eventualmente no living
A bomba
é podre
A bomba
gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é vedado
A bomba
pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o batismo
A bomba
declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade
A bomba
tem um clube fechadíssimo
A bomba
pondera com olho neocrítico o Prêmio Nobel
A bomba
é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de Paris
A bomba
oferece de bandeja de urânio puro, a título de bonificação, átomos de paz
A bomba
não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas
A bomba
desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para proteger velhos e criancinhas
A bomba
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer
A bomba
é câncer
A bomba
vai à Lua, assovia e volta
A bomba
reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação em cadeia
A bomba
está abusando da glória de ser bomba
A bomba
não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba o instante inefável
A bomba
fede
A bomba
é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina
A bomba
com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve
A bomba
não destruirá a vida
O homem
(tenho esperança) liquidará a bomba.
Carlos Drummond de Andrade
quinta-feira, 30 de agosto de 2007
A Bomba, o Homem e a Barata
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2 comentários:
Meu caro filósofo, tua poesia é acida, e tem sua beleza ácida, ó doce sicuta... Tá, eu sei, é do Drummond, mas tb vira um pouco sua quando vc a coloca no meio das suas idéias...
Na minha opinião, cada um tem a oportunidade de fazer algo na direção contrária do futuro das baratas. E, assim como acho real o seu olhar crítico sobre a imunidice, acho que de profano e sagrado todos temos um pouco, todo mundo tem um cascão (aquele da turma da monica hehehe) interior, e, mesmo assim, acho que a gente consegue parir um futuro mais verdadeiro, de conta-gotas, uma criação coletiva que depende da cada um se entregar em tentar melhorar essa selva sem esperar ver pra crer se os outros também tão fazendo.
Os índios norte-americanos, ouvi dizer, tinham nos seus conselhos de decisões, o compromisso de pensar sempre no bem-estar das próximas sete gerações, ou será nove? não importa. Não é demais?
A gente deve começar a pensar em ser assim...
E será que, apesar de todo nosso discurso contra esse aquecimento global, fazemos realmente a nossa obra de conta-gotas? a nossa silenciosa anti-bomba?
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