sábado, 20 de outubro de 2007

O Perdão do Carneiro

Estava eu a pensar em qual seria o próximo louquejar deste espaço de vouyerismo pós-moderno quando saltou-me ao ecrã uma poesia cujo fragmento utilizo na chamada deste Chá: "toma um fósforo e acende teu cigarro!" Sim, Augusto dos Anjos! Versos Íntimos não é uma simples poesia; é uma obra de arte! O dia que a Toda Poderosa colocar um de seus pseudo-atores a recitá-la no último capítulo de um engodo das 8, eu viro Forrest e corro dois meses do Oiapoque ao Chuí!!! E, com isso, aproveitei para reler algumas de suas poesias, e deparei-me com este pedido de desculpas aos carneiros, na qual o seu carrasco faz um mea culpa por tê-lo matado. Na verdade, é um mea culpa do homo sapiens sapiens às demais espécies, frágeis e submissas, considerando o mundo animalesco do cruel tipo homem.

Pode-se considerar, como hipótese, que a existência débil de um carneiro seja pura e simplesmente servir ao tipo homem quando lhe for útil? Ou ainda servir de modelo para retratos de paisagens bucólicas? É interessante pensar na utilização da mesma lógica em relação ao próprio homem; afinal, o carneiro é uma metáfora para a submissão e ignorância humana. A utilidade do carneiro-homem não é a sua carne, tampouco a lã que não possui. Muito menos aquilo que a nossa espécie conquistou a duras penas: o seu pensar, o seu sentir, o seu questionar e, em última análise, a possibilidade de uma existência menos bestial. A sua utilidade reside justamente na servidão, como meio para a existência de outros animais-humanos, como porcos e cães. Se o carneiro tivesse consciência deste estado de coisas, o que ocorreria?!

Revolução é nome o nome dado a essa tentativa de mudança de estado de consciência, em geral por indivíduos afectados por ideais como igualdade, justiça e fraternidade... Porém, o carneiro não é carneiro à toa, e sua personalidade fraca e submissa talvez não suporte tal pressão e este prefira continuar no seu pequeno mundo encantado do pastar (ou seria pastalienar, algo como pastar com alienar?). Porque ser carneiro é viver confortavelmente! E morrer debilmente! E, talvez, no Paraíso receba as desculpas que lhe são tão merecidas... até lá, resta-lhe viver pastalienadamente.

Namaste!

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A um Carneiro Morto

Misericordiosíssímo carneiro
Esquartejado, a maldição de Pio

Décimo caia em teu algoz sombrio

E em todo aquele que for seu herdeiro!

Maldito seja o mercador vadio
Que te vender as carnes por dinheiro,
Pois, tua lã aquece o mundo inteiro
E guarda as carnes dos que estão com frio!

Quando a faca rangeu no teu pescoço,
Ao monstro que espremeu teu sangue grosso
Teus olhos — fontes de perdão — perdoaram!


Oh! tu que no Perdão eu simbolizo,

Se fosses Deus, no Dia do juízo,
Talvez perdoasses os que te mataram!

Augusto dos Anjos

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