O fato que a mim chamou-me atenção: o diretor escreve seu artigo utilizando uma máquina de escrever, trazida especialmente da Alemanha Ocidental, e cuja permanência em seu apartamento é mantida embaixo do chão, num suporte de madeira. Perceberam?! O meio para comunicação se mantinha oculto e era a hoje rudimentar e risível máquina de escrever!
Atualmente isso não faria o menor sentido, visto que temos computadores com infinitos recursos e a internet como catalisadora de toda e qualquer idéia que se deseja espalhar. E tudo isso em menos de 20 anos! Possivelmente o alto escalão da RDA, se pudesse antever o futuro, imaginaria o armageddon cá nos dias de hoje, com tamanha possibilidade de expressão.
No entanto, uma máquina de escrever era, em sua época, potencialmente mais perigosa que toda a internet hoje em dia. Como?! Qualquer um pode criar um blog ou site qualquer, servir um chá e esperar todos sentirem seus efeitos. A quantidade de informação disponível supera, e muito, a nossa capacidade de absorção. Assim, a nossa possibilidade de compreensão. Não há idéia que tenha impacto e precise ser combatida. Elas estão difundidas por aí, mas ninguém dá a mínima. Não são capazes de fazer muitas transformações e quem dera revoluções, tampouco mobilizar as pessoas.
Entre a censura de 1984 e a liberdade de expressão de hoje eu não sei dizer com precisão o que prefiro. Obviamente eu não poderia servir chá sob repressão (ao menos não com pimenta...), porém teria um sentido a alcançar, um inimigo em comum. Quando tiramos o elemento externo de nossos objetivos, muitas vezes, terminamos sem nossos próprios objetivos. Hoje, alguns se perguntam: quem é o inimigo? Quando na realidade a maioria não está nem aí para isso. Talvez, com sorte, possamos ver na economia de mercado um inimigo a ser combatido, e sua medíocre noção utilitarista e consumista do estar-vivo. Mas este é apenas um talvez. Ontem, um talvez poderia ser perigoso, assustador e revolucionário. Hoje, um talvez é apenas uma palavra que, sozinha, retorna aproximadamente 20.700.000 registros do Google.
Namaste!
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A Vida dos Outros (Leben der Anderen, Das, 2006)
» Direção: Florian Henckel von Donnersmarck
» Roteiro: Florian Henckel von Donnersmarck
» Gênero: Drama
» Origem: Alemanha
» Duração: 137 minutos

Fonte: http://www.cineplayers.com/filme.php?id=2829
Um comentário:
Nossa, filósofo, você tá tão espertinho e escrevendo tão bem!!! Eu sei, vc vai me odiar por esse comentário, mas eu tinha que fazer hehehehe
É incrível mesmo o poder da sociedade da informação, não é?
Mas acho mais real e mais plausível termos um inimigo íntimo a combater do que um sistema covarde que autoriza o abuso de poder.
Como assim um inimigo íntimo?
Veja: É responsabilidade nossa existir como sociedade civil organizada, com direito a ficar indignado e a promover mudanças. A gente tem que parar de olhar só pro próprio rabo e ver que os outros rabos têm problemas em comum a serem resolvidos. Não é não?
Participar de associação da classe trabalhista, manter a postura ética mesmo sabendo que existe roubalheira, consumir com consciência...
Exigir seus direitos, adotar uma política na sua empresa que reflita suas idéias revolucionárias...
Então, nós somos nosso próprio inimigo. E temos a vantagem que não precisamos nos destruir pra vencer a batalha, mas vencer o nosso conformismo.
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