sábado, 10 de outubro de 2009

O Clube da Beleza

"I need to remember. Sometimes there's so much beauty in the world. I feel Iike I can't take it and my heart is just going to cave in."

Ricky Fitts ao mostrar o seu mais belo vídeo para Jane Burnham


1999 foi um grande ano na história do cinema. Naqueles dias, havia um clima de inquietação no ar, as pessoas estavam ansiosas para a virada de século e milênio, na esperança que tal evento modificasse alguma coisa em suas vidas. Na prática, como se sabe, a virada só ocorreu na passagem de 2000 para 2001, apesar de grande parte da humanidade ter comemorado um ano antes. A humanidade gosta mais de ver gestos que ouvir razões é uma frase de Nietzsche que se aplica com maestria nesse caso.

Para o cinema, 1999 foi o ano do último trabalho de Stanley Kubrick, Eyes Wide Shut (De Olhos Bem Fechados); a obra-prima de Almodóvar e o seu Todo Sobre Mi Madre; Magnolia, espetacular em seus 188 minutos, do diretor Paul-Tomas Anderson. Grandes filmes que estava eu a rever recentemente. Meu alter ego acredita que uma película que não merece ser revista não deve sequer ser vista. Afinal, se aquilo que se vê não é capaz de, senão transformar o sujeito, ao menos lhe instigar a pensar em algo diferente, então se trata apenas de entretenimento. E somente um macaco de zoológico gostaria de entreter-se, pura e simplesmente.

E outras duas boas películas de 1999 são dois filmes que possuem algumas semelhanças interessantes entre si: American Beauty (Beleza Americana) e Fight Club (Clube da Luta). Ambos retratam a história de homens comuns, que venceram na vida, atingindo o ideal estadunidense de bom emprego, carro do ano e estabilidade financeira, porém são profundamente infelizes existencialmente. Meu alter ego acredita inclusive que Jack é na realidade Lester Burnham mais jovem, caso o primeiro não tivesse sofrido forte intervenção de seu alter ego.

Imagine-se o sofrimento pelo qual passa um indivíduo cujo maior prazer de seu dia é masturbar-se no banho matinal antes de se deslocar ao trabalho (It's all downhill from here). Ou ainda do jovem Lester, que possui tudo aquilo que poderia desejar, mas precisar consumir mais e mais, comprando coisas para o seu apartamento, de modo a torná-lo cheio como uma maneira de mascarar o próprio vazio de sua existência. Um está sedado e o outro não consegue dormir. Uma jovem ninfeta e o seu poder de sedução colocam o velho Jack de volta à vida, fazendo-o sentir o prazer perdido em sua juventude. Grupos de ajuda para alcoólatras ou cancerígenos tem o poder de acalmar o jovem Lester e fazê-lo dormir novamente (Babies don't sleep this well). É que, para ele, perceber o sofrimento humano frente a frente o ajuda a resgatar a sua humanidade. Tal estratagema, em verdade, cai por terra quando o jovem Lester percebe que uma outra pessoa também utiliza da mesma farsa para se sentir melhor. Marla é o alter ego feminino dele e a sua presença em seus grupos de apoio anulam o efeito catártico e, assim, a insônia volta a atacar-lhe implacavelmente.

Para o velho Jack, a questão se resolve quando volta a fumar maconha, praticar exercícios físicos, escutar rock and roll e libertar-se da dominação de sua mulher e conseqüente casamento frustrado. Para o jovem Lester, o problema é um pouco mais complexo: fico a imaginar a dor de alguém que explode com sua vida ao forjar um acidente em seu próprio apartamento, o qual possuia todas as suas coisas mais valiosas (that condo was my life)! A explosão, arquitetada por seu alter ego, representa a opção radical de zerar uma vida estúpida e sem sentido. Mas simplesmente aceitar tal verdade significaria morrer efetivamente e a única maneira possível de isso acontecer foi através do seu alter ego, criando uma situação psicológica na qual se está deixando um estilo de vida por uma fatalidade e não por uma opção consciente. Afinal, quem em sã consciência explodiria o seu próprio apartamento e todas as suas coisas?

A insatisfação manifestada por ambos personagens é, na realidade, uma insatisfação social contra um modelo de sociedade que é dominado pelo sistema financeiro e pelas grandes corporações, onde tudo se justifica pelo lucro, onde tal escória ousa determinar o que é certo e o que é errado. E é curioso que a sociedade livre, que se orgulha de ser democrática e de permitir aos indivíduos a liberdade de escolha, tornou-se a sociedade mais desigual de toda a história da humanidade! E muitos acreditam que pelas vias democráticas conseguirão mudar o status quo... Na verdade, louqueja meu alter ego, para se mudar qualquer coisa é preciso primeiramente mudar-se a si mesmo. Até hoje a humanidade acreditou que modelos políticos e sociais pudessem transformar o homem... Lester e Jack mostram que a transformação individual diante da realidade opressora da sociedade contemporânea talvez seja a resposta mais apropriada para quem deseja transcender aos ordinários valores que lhes são impostos em suas vidas.

O cerne da questão de ambas películas está na insatisfação do homem contemporâneo com o estilo de vida da sociedade de consumo, que tem nos Estados Unidos o país exportador por excelência do modelo american way of life. Ter um bom emprego, o carro do ano, vencer na carreira e com isso ganhar dinheiro para poder comprar coisas é tudo que alguém desejaria? E as questões existenciais? E as questões filosóficas? E a verdadeira arte? Há algum espaço nesse modelo de sociedade para estas coisas que são em essência inúteis? Tal sociedade utilitarista simplesmente rejeita tudo que não tiver caráter utilitarista... Ricky, o voyeur que filmava coisas estranhas e percebia beleza onde ninguém mais percebia, diz que precisa se lembrar que há muita beleza no mundo. Cercado de falsidade e superficialidade, não pode esquecer que há na vida muito mais que aquilo que a mediocridade corrente o faz crer. Assim como a sociedade contemporânea simplifica tudo, quantifica tudo, produtifica tudo, presa a dicotomias próprias da razão cartesiana, é preciso lembrar-se que a arte, em uma visão transcedental da vida, é justamente o que torna possível a própria existência e que tal existência pode ser rica em sentimentos, emoções e idéias, que estão à margem da sociedade contemporânea, cuja fragilidade e superficialidade foram tão bem retratadas em American Beauty e Fight Club.

Namaste!

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Clube da Luta (Fight Club, 1999)

» Direção: David Fincher
» Roteiro: Jim Uhls, baseado em livro de Chuck Palahniuk
» Gênero: Drama
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 140 minutos

» Sinopse: Jack (Edward Norton) é um executivo yuppie, trabalha como investigador de seguros, mora confortavelmente, mas sua ansiedade o faz conviver com pessoas problemáticas como a viciada Marla Singer (Helena Bonham Carter) e a conhecer estranhos como Tyler Durden (Brad Pitt). Misterioso e cheio de ideias, Tyler apresenta para Jack um grupo secreto que se encontra para extravasar suas angústias e tensões através de violentos combates corporais.
Fonte: Adoro Cinema


Beleza Americana (American Beauty,
1999)

» Direção: Sam Mendes
» Roteiro: Alan Ball
» Gênero: Drama
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 121 minutos

» Sinopse: Lester Burham (Kevin Spacey) não aguenta mais o emprego e se sente impotente perante sua vida. Casado com Carolyn (Annette Bening) e pai da "aborrecente" Jane (Tora Birch), o melhor momento de seu dia quando se masturba no chuveiro. Até que conhece Angela Hayes (Mena Suvari), amiga de Jane. Encantado com sua beleza e disposto a dar a volta por cima, Lester pede demissão e começa a reconstruir sua vida, com a ajuda de seu vizinho Ricky (Wes Bentley).
Fonte: Adoro Cinema

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