Estava eu a navegar despreocupadamente na Grande Rede quando, ao ler uma notícia a respeito do tão esperado capítulo final de uma novela impávido colossensse, não pude deixar de conter o riso ao ler tal notícia. Abrindo outro sítio, detive-me por alguns minutos e pude perceber que, na verdade, tal novela segue o mesmo padrão dicotômico que divide as pessoas em boas e más e as ações em certas ou erradas, assim como também o faz o cinema estadunidense. Mais tarde, assisti a 5 minutos de tal pseudo-produção artística e um louquejar ocorreu-me: como, no final, os bons vivem felizes para sempre e os maus pagam por seus atos, morrendo, sendo presos ou coisa do gênero.
Pois seja: tal fórmula tem origem em preconceitos morais que dividem a humanidade em duas: os bons, justos e corretos, e os maus, injustos e sem caráter. O cristianismo, que sustenta que existe um Reino dos Céus exclusivamente para os bons após a morte, constitui o alicerce por trás de tais pseudo-produções, já que a lição que se pode deduzir da trama é que o importante é ser bom, que no final o sujeito é recompensado por isso. Ora, se se imaginar que dos 150 capítulos de uma novela, em 149 os bons sofrem e apenas no último atingem a felicidade, poder-se-ia analogicamente supor que tais capítulos representam a vida interna do sujeito ordinário, e o último capítulo representa a sua morte e entrada no reino dos céus, para a felicidade eterna. Por isso, suponho, muitos gostem de assistir a novelas ou a filmes em função desse componente fantasioso, já que com isso podem manter viva a esperança de felicidade, confrontando a vida de sofrimento e dor de seu dia-a-dia com uma possibilidade de transcendência individual.
E, ao pensar neste estado de coisas, lembrei-me da teoria do Eterno Retorno, proposta por Nietzsche: trata-se de um soco no estômago de quem acredita em felicidade no pós-vida. Nela, tudo que existe sempre existiu, não há criador, o tempo é infinito, mas a totalidade de coisas que existem, não. Dessa forma, tudo retorna, todos os momentos da vida do sujeito, as coisas mais pequenas, as dores, o sofrimento, tudo retorna... e da mesma forma, na mesma ordem e seqüência. Tal pensamento, em síntese, nos diz que os 149 capítulos de nossa vida se repetem infinitamente no futuro, bem como já ocorreram no passado, por infinitas vezes. E, o melhor de tudo, é que não há o tal último capítulo. Sim, não há felicidade e tampouco o Reino dos Céus! Tudo que há é a vida mundana, a qual ainda há de se repetir até o infinito. Tal pensamento representa a morte da ilusão cristã, ou do nirvana, ou da justiça divina, ou qualquer outro elemento niilista negador da vida, confirmando que a existência, para o ser humano, precede e governa a essência, tal qual Sartre afirmava.
Então, após desligar a televisão do mundo-do-faz-de-conta do último capítulo, estava eu a pensar sozinho nas implicações de um eterno retorno quando, ao relembrar a biografia de Nietzsche, pensei comigo mesmo: será possível que um homem que tenha vivido miseravelmente em sua época, com uma saúde precária e aparentemente sem sucesso em suas relações afetivas e também sem o reconhecimento de seu trabalho, sabendo que passaria os últimos 10 anos de sua vida em estado demencial, escolheria - caso pudesse - retornar eternamente? Não apenas os momentos de genialidade e alegria, mas também todo o sofrimento que teve de suportar? Como alguém pode escolher sofrer eternamente e, no seu caso, viver infinitos anos em estado demencial? Tal visão não estaria muita próximo ao inferno cristão, que diz que a repetição de todo o sofrimento é eterna?
Sendo o idealizador de tal teoria, rapidamente imaginei que sim, que Nietzsche escolheria viver a vida que viveu da mesma forma, com toda a dor e decepções que lhe ocorreram. Para que isso seja possível, entretanto, louquejei que compete ao ser humano desvencilhar-se da dicotomia moral e do pensamento lógico-racional, incorporando o sofrimento como elemento ativo e inerente à condição humana: nascer é sofrer, viver é sofrer, morrer é sofrer. A vida implica em sofrimento e a aceitação de tal sofrimento constitui-se na verdadeira vitória do ser humano contra o absurdo de estar-vivo. O budismo erra ao combater o sofrimento através da eliminação do desejo; negar o desejo não é equivalente a negar a própria vida?
A felicidade tal qual os fracos a concebem, sem nenhuma dor, é a felicidade que somente os cães conhecem, pois lhes faltam a consciência de sua finitude. Nós, seres humanos, rejeitamos o rótulo de animal e, por isso, carregamos o fardo da consciência eternamente! Ao cruel tipo homem resta aceitar que tal felicidade de último capítulo é algo tão efêmero que, ao ser buscada como um ideal de vida, torna a própria vida infeliz! E é por isso, suponho, que ainda hoje tantos continuam a acreditar que, no final, serão felizes. Resta-lhes descobrir o que farão quando, supondo que isso seja possível, atingirem a tal felicidade que tanto buscam.
Tenho uma suposição e gosto de nela pensar: ao não buscar ser feliz, ao aceitar o absurdo existencial de forma honesta, a tolerância ao sofrimento aumenta; ora, quem tem a coragem de aceitar e até aprender a saborear o seu sofrer, não estará muito próximo de atingir a verdadeira felicidade? E, dessa forma, não quererá repetir tudo novamente, pois terá compreendido e aceitado a essência da vida e, especialmente, do absurdo existencial?
Namaste!
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Louquejares Relacionados
# Chá com Açúcar
"Nestes últimos dias, estava eu a pensar no tempo que dedicamos a certas coisas em detrimento de outras. E como isso influencia a nossa percepção daquilo que julgamos como realidade."
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"Dando um início efetivo as divagações que aqui me proponho divago a respeito do que chamei no post intro de felicidade como princípio para uma existência débil. É senso comum para a maioria dos mortais que o objetivo final de sua existência resume-se no enfadonho: quero ser feliz!"
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
A Busca da Felicidade e o Eterno Retorno
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Toda Poderosa
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2 comentários:
Bom dia...
o que mais gosto de fazer na web e conhecer blogs, conhecer o que pensam diferentes pessoas... fiquei feliz por ter chegado ao seu blog...
Textos profundos, inteligentes e muito criativos... parabéns
apesar de discordar de muitos pontos em seus textos.... respeito a forma de pensar de todas as pessoas... questiono também o que é a verdade ?
Concordo com voçê em relação a esta coloção de Nietsche sobre a lei do eterno retorno....
é muito cruel e injusto se realmente for assim....
mas acredito que estes grandes filosofos, foram mal compreendido, ou utilizaram metaforas para passar o seu ensinamento...
Gosto muito quando Nietsche, fala sobre o Super-homem , que o homem é uma ponte, entre o humanoide e o super-homem...
Talvez o segredo é nao estar nem do lado do bem... nem do lado do mal... estar além disto...
grande abraço,
Parabéns pelo espaço.
Taurus
Taurus,
Também compartilho contigo a experiência que a web nos proporciona de descobrimento de novos sites/blogs a respeito de assuntos interessantes. Muitos só percebem a internet como sinônimo de msn/orkut/youtube, mas existe muito mais conteúdo a disposição e a ser explorado.
Quanto ao eterno retorno, é considerada uma teoria "otimista", dentro de uma determinada realidade objetiva a respeito do estar-vivo. E gosto de pensá-la como uma possibilidade... perigosa, é verdade, mas ainda assim estimulante. Estar além do bem e do mal implica na destruição da moral judaico-cristã, tão emaranhada na sociedade ocidental. Isso não é tarefa fácil, mas a tentativa de fazê-lo já oferece uma idéia mais clara de liberdade a respeito das idéias e do próprio mundo que vivemos.
Abraço
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