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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A Busca da Felicidade e o Eterno Retorno

Estava eu a navegar despreocupadamente na Grande Rede quando, ao ler uma notícia a respeito do tão esperado capítulo final de uma novela impávido colossensse, não pude deixar de conter o riso ao ler tal notícia. Abrindo outro sítio, detive-me por alguns minutos e pude perceber que, na verdade, tal novela segue o mesmo padrão dicotômico que divide as pessoas em boas e más e as ações em certas ou erradas, assim como também o faz o cinema estadunidense. Mais tarde, assisti a 5 minutos de tal pseudo-produção artística e um louquejar ocorreu-me: como, no final, os bons vivem felizes para sempre e os maus pagam por seus atos, morrendo, sendo presos ou coisa do gênero.

Pois seja: tal fórmula tem origem em preconceitos morais que dividem a humanidade em duas: os bons, justos e corretos, e os maus, injustos e sem caráter. O cristianismo, que sustenta que existe um Reino dos Céus exclusivamente para os bons após a morte, constitui o alicerce por trás de tais pseudo-produções, já que a lição que se pode deduzir da trama é que o importante é ser bom, que no final o sujeito é recompensado por isso. Ora, se se imaginar que dos 150 capítulos de uma novela, em 149 os bons sofrem e apenas no último atingem a felicidade, poder-se-ia analogicamente supor que tais capítulos representam a vida interna do sujeito ordinário, e o último capítulo representa a sua morte e entrada no reino dos céus, para a felicidade eterna. Por isso, suponho, muitos gostem de assistir a novelas ou a filmes em função desse componente fantasioso, já que com isso podem manter viva a esperança de felicidade, confrontando a vida de sofrimento e dor de seu dia-a-dia com uma possibilidade de transcendência individual.

E, ao pensar neste estado de coisas, lembrei-me da teoria do Eterno Retorno, proposta por Nietzsche: trata-se de um soco no estômago de quem acredita em felicidade no pós-vida. Nela, tudo que existe sempre existiu, não há criador, o tempo é infinito, mas a totalidade de coisas que existem, não. Dessa forma, tudo retorna, todos os momentos da vida do sujeito, as coisas mais pequenas, as dores, o sofrimento, tudo retorna... e da mesma forma, na mesma ordem e seqüência. Tal pensamento, em síntese, nos diz que os 149 capítulos de nossa vida se repetem infinitamente no futuro, bem como já ocorreram no passado, por infinitas vezes. E, o melhor de tudo, é que não há o tal último capítulo. Sim, não há felicidade e tampouco o Reino dos Céus! Tudo que há é a vida mundana, a qual ainda há de se repetir até o infinito. Tal pensamento representa a morte da ilusão cristã, ou do nirvana, ou da justiça divina, ou qualquer outro elemento niilista negador da vida, confirmando que a existência, para o ser humano, precede e governa a essência, tal qual Sartre afirmava.

Então, após desligar a televisão do mundo-do-faz-de-conta do último capítulo, estava eu a pensar sozinho nas implicações de um eterno retorno quando, ao relembrar a biografia de Nietzsche, pensei comigo mesmo: será possível que um homem que tenha vivido miseravelmente em sua época, com uma saúde precária e aparentemente sem sucesso em suas relações afetivas e também sem o reconhecimento de seu trabalho, sabendo que passaria os últimos 10 anos de sua vida em estado demencial, escolheria - caso pudesse - retornar eternamente? Não apenas os momentos de genialidade e alegria, mas também todo o sofrimento que teve de suportar? Como alguém pode escolher sofrer eternamente e, no seu caso, viver infinitos anos em estado demencial? Tal visão não estaria muita próximo ao inferno cristão, que diz que a repetição de todo o sofrimento é eterna?

Sendo o idealizador de tal teoria, rapidamente imaginei que sim, que Nietzsche escolheria viver a vida que viveu da mesma forma, com toda a dor e decepções que lhe ocorreram. Para que isso seja possível, entretanto, louquejei que compete ao ser humano desvencilhar-se da dicotomia moral e do pensamento lógico-racional, incorporando o sofrimento como elemento ativo e inerente à condição humana: nascer é sofrer, viver é sofrer, morrer é sofrer. A vida implica em sofrimento e a aceitação de tal sofrimento constitui-se na verdadeira vitória do ser humano contra o absurdo de estar-vivo. O budismo erra ao combater o sofrimento através da eliminação do desejo; negar o desejo não é equivalente a negar a própria vida?

A felicidade tal qual os fracos a concebem, sem nenhuma dor, é a felicidade que somente os cães conhecem, pois lhes faltam a consciência de sua finitude. Nós, seres humanos, rejeitamos o rótulo de animal e, por isso, carregamos o fardo da consciência eternamente! Ao cruel tipo homem resta aceitar que tal felicidade de último capítulo é algo tão efêmero que, ao ser buscada como um ideal de vida, torna a própria vida infeliz! E é por isso, suponho, que ainda hoje tantos continuam a acreditar que, no final, serão felizes. Resta-lhes descobrir o que farão quando, supondo que isso seja possível, atingirem a tal felicidade que tanto buscam.

Tenho uma suposição e gosto de nela pensar: ao não buscar ser feliz, ao aceitar o absurdo existencial de forma honesta, a tolerância ao sofrimento aumenta; ora, quem tem a coragem de aceitar e até aprender a saborear o seu sofrer, não estará muito próximo de atingir a verdadeira felicidade? E, dessa forma, não quererá repetir tudo novamente, pois terá compreendido e aceitado a essência da vida e, especialmente, do absurdo existencial?

Namaste!

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Louquejares Relacionados

# Chá com Açúcar
"Nestes últimos dias, estava eu a pensar no tempo que dedicamos a certas coisas em detrimento de outras. E como isso influencia a nossa percepção daquilo que julgamos como realidade.
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# Eterno Retorno
"Amanhã, véspera de mais um feriado religioso, a atenção de boa parte dos habitantes do Impávido Colosso, e demais colossos que assim o fazem, volta-se para a lembrança daqueles que estão mortos.
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# A Felicidade como Princípio para uma Existência Débil
"Dando um início efetivo as divagações que aqui me proponho divago a respeito do que chamei no post intro de felicidade como princípio para uma existência débil. É senso comum para a maioria dos mortais que o objetivo final de sua existência resume-se no enfadonho: quero ser feliz!
"

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O Sermão, o Petróleo e a Liberdade

"Eu sou um falso profeta e Deus é uma superstição."

Eli Sunday curvando-se a Daniel Plainview em Sangue Negro

Ao assistir recentemente ao filme Sangue Negro (There Will be Blood), um dos candidatos ao Oscar de melhor filme estadunidense de 2008, louquejei comigo mesmo a respeito das duas forças propulsoras da sociedade ocidental no século XX, que estão bem retratadas no filme: o fanatismo religioso e a ganância capitalista. Ambas forças convivem e estão entrelaçadas de forma radical no filme baseado na obra Oil!, do escritor Upton Sinclair. Sangue Negro é denso e envolvente, além de ser mais importante historicamente em relação a Onde os Fracos não têm Vez (No Country for Old Man), que venceu a categoria de melhor filme em 2008. Aliás, não raro, a indústria cinematográfica estadunidense escolhe filmes de qualidade duvidosa em suas premiações, obedecendo a critérios obtusos, em detrimento de outros que são efetivamente melhores, como foi o caso de Sangue Negro.

No filme, o capitalismo ganancioso está presente na figura de um explorador de petróleo, que não mede esforços em busca de acumulação de riquezas. Já o fanatismo religioso, na figura de um pastor de igreja, tendo como valor máximo a propagação de dogmas de sua crença, cuja conversão do maior número de fiéis é o elemento motivador de seu rebanho. Pois bem, ambas forças carecem de significado em si, negando categorimente a liberdade individual: no primeiro tipo, através da crença no capital e coisificação do homem, aproveitando-se do desespero humano para iludi-lo através da crença no acúmulo de riquezas a todo custo. No segundo tipo, pela profunda negação da própria vida, através de dogmas que determinam a vida que o sujeito deve levar, transformando-o em um fantoche negador da liberdade e preso a um sistema de crenças cujo objetivo é negar o sofrimento de saber-se em si, de aceitar a liberdade e incertezas da realidade que nos é apresentada.

E, ao pensar em todo este estado de coisas, lembrei-me do pensamento fundamental do existencialismo Sartriano, que diz: a existência precede a essência. Um pensamento aparentemente simples, mas que, se bem entendido, acarreta em uma série de implicações a respeito do estar-vivo. Quando se pensa num aparelho de telefone, ou num computador, tal idéia se aplica ao contrário, visto que, nesses casos, a essência precede a existência. Primeiramente o cruel tipo homem imaginou e projetou tais produtos para, atrás da combinação de diversos elementos da natureza e do conhecimento humano, poder produzi-los primeiramente no mundo das idéias, para depois efetivamente em larga escala para consumo, na forma como os vemos em seu estado final.

Para o ser humano, no entanto, tal conceito não é aplicável, visto que existimos primeiramente, e só depois construimos a nossa essência. Antes, o nada ou o absurdo, existe. Após o término de nossa existência, o nada ou o absurdo, existe. Assim, para que tal possibilidade não fosse verdadeira, deveria existia uma essência anterior à existência para dar forma ao tipo homem, tal qual o telefone ou o computador. Tal essência poderia ser interpretada de várias formas, sendo a principal delas a crença religiosa que diz que existe uma entidade criadora e cuja vida que vivemos possui um propósito em si, determinado por uma entidade divida. É sob tal alicerce que se baseia a fé, pois para um grande número de indivíduos, seria impossível suportar a vida tal como ela é de fato, isto é, um absurdo existencial sem sentido, que a transforma em sofrimento constante, amenizado pela salvação pela fé.

Para muitos, transferir a dor existencial para uma ilusão capitalista, elegendo o capital como um valor-em-si, é uma solução que, em verdade, nada soluciona... Afinal, nesse modelo de pensamento, cada vez mais alimentado pelo poder de grandes corporações e pelo sistema financeiro, o homem coisificado transforma-se em apenas uma peça na engrenagem que movimento a economia global, ou um tijolo no muro da ignorância daquilo que alguns ousam chamar de educação. Tal tijolo representa o indivíduo cerceado de sua subjetividade e liberdade, refém de um sistema que transforma a existência em algo decadente e ilusório, uma vez que carece de valor-em-si.

Na filosofia existencialista, a responsabilidade é o elemento fundamental, pois uma vez que não existem razões divinas para justificar o injustificável, compete ao indivíduo escolher aquilo que é melhor para si, assumindo os seus atos integralmente e, assim, excluindo de seu pensamento sentimentos de culpa ou arrependimento. É por isso que Sartre diz que estamos condenados à liberdade. Tal liberdade é, não raro, uma condenação, pois implica que o ser humano deve assumir-se a si mesmo e tudo que faz em sua vida: os pensamentos que lhe ocorrem, as pessoas com as quais se relaciona, as vivências que participa... Em resumo: a construção da obra de sua própria vida. Tal liberdade pode não ser suportada pelo cruel tipo homem, o qual tenderá a iludir-se com as farsas religiosas ou capitalistas. Aceitar a vida e o absurdo que é o estar-vivo e criar os seus próprios valores são as únicas formas de existir honestamente consigo mesmo, não incorrendo na negação acerca da liberdade que possuímos, nem tampouco na auto-coisificação existencial, isto é, em má-fé.

Namaste!

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Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007)

» Direção: Paul Thomas Anderson
» Roteiro: Paul Thomas Anderson, baseado no livro Oil!, de Upton Sinclair
» Gênero: Drama
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 158 minutos

» Sinopse: Um mineiro fracassado e seu filho partem para uma pequena cidade, sonhando com a riqueza obtida pelo petróleo. Dirigido por Paul Thomas Anderson (Magnólia) e com Daniel Day-Lewis e Paul Dano no elenco. Vencedor de 2 Oscars.

Fonte: Adoro Cinema

terça-feira, 3 de junho de 2008

Teoria do Absurdo

Estava eu a navegar despreocupado na Grande Rede quando, ao consultar o Grande Oráculo, descobri um web-blog deveras interessante, cujo ponto fonte é a irreverência e crítica a respeito do estar-vivo. Sempre utilizando - como o próprio nome sugere - de teorias de toda a ordem para explicar o inexplicável, ou ao menos praticar aquela masturbação mental que tanto agrada ao meu alter ego.

E, ao olhar o histórico do blog, descobri uma teoria muito interessante, chamada Teoria Geral do Absurdo. Nela, busca-se explicar o estar-vivo sob a óptica da impossibilidade de explicação, isto é, o absurdo. Tal teoria foi escrita há 10 anos pelo meu alter ego, quando recém estava a nascer os seus primeiros louquejares. Por isso, reproduzo-a abaixo na íntegra. Hoje ele não pensa exatamente da mesma forma, pois devaneia que, maior importante que chegar a conclusão que viver é absurdo, o maior interesse diz respeito à interpretação que o sujeito realiza com base nessa constatação e como é possível transcender a certeza da dúvida do estar-vivo sem precisar recorrer a amuletos como as religiões, os partidos políticos, o niilismo e coisas do gênero.

Namaste!

Jesus morre, morre, e já o vai deixando a vida, quando de súbito o céu por cima da sua cabeça se abre de par em par e Deus aparece, vestido como estivera na barca, e a sua voz ressoa por toda a terra, dizendo, Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus toda a minha complacência. Então Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria:

- Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez.

(Saramago)

Teoria Geral do Absurdo

Tudo que existe é absurdo. Logo, viver é absurdo. Esta é a conclusão final que cheguei, por ora, sobre o significado da vida, do estar-vivo, enfim, sobre a condição humana. Primeiramente esclarecerei em nível conceptual esta afirmação. Depois, em nível filosófico e por fim mostrarei que esta afirmação em nada se contrapõe às empiricamente concebidas pelo homem ao longo de sua história.

Por absurdo entende-se tudo aquilo que é contrário às leis da lógica ou é irredutível a elas. O facto de eu estar vivo decorre do facto de meus ancestrais um dia terem estado vivos, assim até o primeiro homem ter surgido. Sabe-se com o apoio da Teoria do Evolucionismo que o homem não surgiu completo, ou seja, não foi criado simplesmente. Ele evoluiu de outras espécies até chegar no estado denominado Homo Sapiens Sapiens. Assim também ocorre com todas as espécies vivas. Mas, perguntarei, aonde teve início a primeira espécie, o primeiro ser vivo? Disso não se pode ter certeza, mas acredita-se que tenha sido uma ameba, ou algo minúsculo. Através de milhões de anos, os seres foram evoluindo até chegar ao nosso tempo. Esta pergunta fica sem resposta, mas não dificulta em nada o entendimento sobre a o Teoria do Absurdo.

Não se sabe ao certo a origem do Universo. Entretanto, a teoria mais aceita é a da Grande Explosão (Big Bang), que reza que o início de tudo deu-se através de uma grande explosão. Antes, nada havia, ou tudo havia (o termo aqui transcende à lógica). O que havia era simplesmente uma quantidade de energia suficiente e gigantesca com força para criá-lo. Um erro fácil é imaginar que tudo que há é o que vemos. Com efeito, calcula-se cerca de 80 bilhões de planetas existentes no Universo. Isso daria em média 13 planetas para cada habitante do planeta terra. É provável que exista vida em outras planetas, até porque seria muita pretensão achar que somente nós seríamos contemplados com o absurdo.

O âmago da questão refere-se à criação de tudo que há, o momento zero. Surge duas hipóteses sobre o que ou quem criou esta energia: ou este algo sempre existiu (então pode ser chamado de Deus, ou qualquer outra coisa, não configurando em nada um Criador que fez do homem à sua imagem e semelhança), ou então foi criado por outra coisa, assim até chegar num ponto que algo tem que ter sido criado de algo. De qualquer forma, como o conceito de infinito é absolutamente incompreensível para o lógica humana atual, viver é absurdo, porque o estar-vivo é conseqüência da Grande Explosão.

A situação piora quando pensa-se que tudo que há, há porque um Deus criou (neste sentido, um Deus criador e pai). Mesmo assim, viver continua sendo absurdo, mas desta vez pela via oposta, ou seja, a de que tudo que existe tem uma razão de ser, porque Deus quis, e disso não se pode escapar. Assim, viver seria absurdo porque o acto de viver seria demasiadamente lógico, configurando-se em absurdo.

Esta não é, certamente, uma teoria de salvação. É uma teoria baseada no mais alto grau da condição animal, baseada no que de mais incrível e fantástico um animal pode ter, que é a sua capacidade de pensar. Poder-se-ia dizer que isso é a prova de [a idéia] Deus. Não discuto se é ou não, até porque é impossível saber. O que me parece claro é que viver é uma imposição. Ninguém escolhe nascer. Assim, este Deus não passa de um manipulador de fantoches, porque quando se é, não se sabe como se não é. E quando se não é, não se sabe como se é. Dessa forma, fica evidente que não temos escolha com relação ao estar-vivo, muito pelo contrário: o homem é um ser limitadíssimo, somente mais evoluído em relação aos seus irmãos biológicos porque pensa, e pensar não significa algo bom ou ruim, melhor ou pior: estes conceitos foram criados pelo homem, de nada valem, não servem como leis, carecem de totalidade. Um animal irracional simplesmente é, vive o que tem que viver, e isso é tudo. O homem cria fantasias, mitos, lendas etc., mas isso não passa duma realidade subjetiva, sem valor efetivo.

Outro ponto que quero esclarecer, e que me parece ser a chave para muitas respostas. A maioria das pessoas não pensa... O homem, em sendo um animal, não foi feito para pensar. Deve viver. E quem pensa não vive [apud Sartre]. Pois bem: o método empírico é sempre anterior ao racional. Ora, o conceito de Deus é a explicação empírica do homem para explicar o inexplicável. Entretanto, este inexplicável é relativo: volta-se dois mil anos no tempo e ter-se-á um homem reverenciando o Deus da chuva, ou o Deus do fogo. Hoje, sabe-se que a causa da chuva ou do fogo não é uma acção direta de Deus. Logo, quanto maior for o conhecimento, menor será a crença em divindades para explicar o inexplicável. E nisso reside o ponto chave desta tese: já que a maioria das pessoas não pensa, talvez por acomodação, talvez por ignorância, é mais fácil crer num Deus providencial para explicar o que não se consegue entender. Dessa maneira, claramente percebe-se o caráter superficial que qualquer crença religiosa adquire, não suportando a mínima crítica.

Com efeito, não pretendo ser dogmático como procedem as religiões. Aliás, considero a possibilidade de eu estar completamente equivocado com relação às minhas teses. Não morreria por elas, de forma alguma. Como cada afirmação necessita de outra para se completar, assim num processo infinito (absurdo), o que me importa é a discussão em torno de argumentos. De uma maneira geral, não condeno quem crê em dogmas religiosos ou leva uma vida superficial. É mais fácil viver assim. Evita-se o sofrimento. Esta não seria uma função da religião? Pois bem, viver em ilusão, crer em algo que não existe, se assim proceder a maioria, não será motivo de tormento. Porém, depois de se encontrar o caminho, depois de se conseguir ver criticamente as coisas, fica muito difícil seguir a maioria. Por fim, vale um consolo: o sofrimento em nível biológico é uma prova da nossa superioridade evolutiva. Como o conhecimento é infinito, a ignorância também o é. Logo, é impossível saber tudo. Assim sendo, quanto maior for o conhecimento de alguém, também será maior a sua ignorância. Busco, por fim, ficar mais ignorante do que já sou.


Alter Ego, 05/11/1998