Pois seja: tal fórmula tem origem em preconceitos morais que dividem a humanidade em duas: os bons, justos e corretos, e os maus, injustos e sem caráter. O cristianismo, que sustenta que existe um Reino dos Céus exclusivamente para os bons após a morte, constitui o alicerce por trás de tais pseudo-produções, já que a lição que se pode deduzir da trama é que o importante é ser bom, que no final o sujeito é recompensado por isso. Ora, se se imaginar que dos 150 capítulos de uma novela, em 149 os bons sofrem e apenas no último atingem a felicidade, poder-se-ia analogicamente supor que tais capítulos representam a vida interna do sujeito ordinário, e o último capítulo representa a sua morte e entrada no reino dos céus, para a felicidade eterna. Por isso, suponho, muitos gostem de assistir a novelas ou a filmes em função desse componente fantasioso, já que com isso podem manter viva a esperança de felicidade, confrontando a vida de sofrimento e dor de seu dia-a-dia com uma possibilidade de transcendência individual.
E, ao pensar neste estado de coisas, lembrei-me da teoria do Eterno Retorno, proposta por Nietzsche: trata-se de um soco no estômago de quem acredita em felicidade no pós-vida. Nela, tudo que existe sempre existiu, não há criador, o tempo é infinito, mas a totalidade de coisas que existem, não. Dessa forma, tudo retorna, todos os momentos da vida do sujeito, as coisas mais pequenas, as dores, o sofrimento, tudo retorna... e da mesma forma, na mesma ordem e seqüência. Tal pensamento, em síntese, nos diz que os 149 capítulos de nossa vida se repetem infinitamente no futuro, bem como já ocorreram no passado, por infinitas vezes. E, o melhor de tudo, é que não há o tal último capítulo. Sim, não há felicidade e tampouco o Reino dos Céus! Tudo que há é a vida mundana, a qual ainda há de se repetir até o infinito. Tal pensamento representa a morte da ilusão cristã, ou do nirvana, ou da justiça divina, ou qualquer outro elemento niilista negador da vida, confirmando que a existência, para o ser humano, precede e governa a essência, tal qual Sartre afirmava.
Sendo o idealizador de tal teoria, rapidamente imaginei que sim, que Nietzsche escolheria viver a vida que viveu da mesma forma, com toda a dor e decepções que lhe ocorreram. Para que isso seja possível, entretanto, louquejei que compete ao ser humano desvencilhar-se da dicotomia moral e do pensamento lógico-racional, incorporando o sofrimento como elemento ativo e inerente à condição humana: nascer é sofrer, viver é sofrer, morrer é sofrer. A vida implica em sofrimento e a aceitação de tal sofrimento constitui-se na verdadeira vitória do ser humano contra o absurdo de estar-vivo. O budismo erra ao combater o sofrimento através da eliminação do desejo; negar o desejo não é equivalente a negar a própria vida?
A felicidade tal qual os fracos a concebem, sem nenhuma dor, é a felicidade que somente os cães conhecem, pois lhes faltam a consciência de sua finitude. Nós, seres humanos, rejeitamos o rótulo de animal e, por isso, carregamos o fardo da consciência eternamente! Ao cruel tipo homem resta aceitar que tal felicidade de último capítulo é algo tão efêmero que, ao ser buscada como um ideal de vida, torna a própria vida infeliz! E é por isso, suponho, que ainda hoje tantos continuam a acreditar que, no final, serão felizes. Resta-lhes descobrir o que farão quando, supondo que isso seja possível, atingirem a tal felicidade que tanto buscam.
Tenho uma suposição e gosto de nela pensar: ao não buscar ser feliz, ao aceitar o absurdo existencial de forma honesta, a tolerância ao sofrimento aumenta; ora, quem tem a coragem de aceitar e até aprender a saborear o seu sofrer, não estará muito próximo de atingir a verdadeira felicidade? E, dessa forma, não quererá repetir tudo novamente, pois terá compreendido e aceitado a essência da vida e, especialmente, do absurdo existencial?
Namaste!
____________________________________
Louquejares Relacionados
# Chá com Açúcar
"Nestes últimos dias, estava eu a pensar no tempo que dedicamos a certas coisas em detrimento de outras. E como isso influencia a nossa percepção daquilo que julgamos como realidade."
# Eterno Retorno
"Amanhã, véspera de mais um feriado religioso, a atenção de boa parte dos habitantes do Impávido Colosso, e demais colossos que assim o fazem, volta-se para a lembrança daqueles que estão mortos."
# A Felicidade como Princípio para uma Existência Débil
"Dando um início efetivo as divagações que aqui me proponho divago a respeito do que chamei no post intro de felicidade como princípio para uma existência débil. É senso comum para a maioria dos mortais que o objetivo final de sua existência resume-se no enfadonho: quero ser feliz!"