"Eu sou um falso profeta e Deus é uma superstição."
Eli Sunday curvando-se a Daniel Plainview em Sangue Negro
Ao assistir recentemente ao filme Sangue Negro (There Will be Blood), um dos candidatos ao Oscar de melhor filme estadunidense de 2008, louquejei comigo mesmo a respeito das duas forças propulsoras da sociedade ocidental no século XX, que estão bem retratadas no filme: o fanatismo religioso e a ganância capitalista. Ambas forças convivem e estão entrelaçadas de forma radical no filme baseado na obra Oil!, do escritor Upton Sinclair. Sangue Negro é denso e envolvente, além de ser mais importante historicamente em relação a Onde os Fracos não têm Vez (No Country for Old Man), que venceu a categoria de melhor filme em 2008. Aliás, não raro, a indústria cinematográfica estadunidense escolhe filmes de qualidade duvidosa em suas premiações, obedecendo a critérios obtusos, em detrimento de outros que são efetivamente melhores, como foi o caso de Sangue Negro.
No filme, o capitalismo ganancioso está presente na figura de um explorador de petróleo, que não mede esforços em busca de acumulação de riquezas. Já o fanatismo religioso, na figura de um pastor de igreja, tendo como valor máximo a propagação de dogmas de sua crença, cuja conversão do maior número de fiéis é o elemento motivador de seu rebanho. Pois bem, ambas forças carecem de significado em si, negando categorimente a liberdade individual: no primeiro tipo, através da crença no capital e coisificação do homem, aproveitando-se do desespero humano para iludi-lo através da crença no acúmulo de riquezas a todo custo. No segundo tipo, pela profunda negação da própria vida, através de dogmas que determinam a vida que o sujeito deve levar, transformando-o em um fantoche negador da liberdade e preso a um sistema de crenças cujo objetivo é negar o sofrimento de saber-se em si, de aceitar a liberdade e incertezas da realidade que nos é apresentada.
E, ao pensar em todo este estado de coisas, lembrei-me do pensamento fundamental do existencialismo Sartriano, que diz: a existência precede a essência. Um pensamento aparentemente simples, mas que, se bem entendido, acarreta em uma série de implicações a respeito do estar-vivo. Quando se pensa num aparelho de telefone, ou num computador, tal idéia se aplica ao contrário, visto que, nesses casos, a essência precede a existência. Primeiramente o cruel tipo homem imaginou e projetou tais produtos para, atrás da combinação de diversos elementos da natureza e do conhecimento humano, poder produzi-los primeiramente no mundo das idéias, para depois efetivamente em larga escala para consumo, na forma como os vemos em seu estado final.
Para o ser humano, no entanto, tal conceito não é aplicável, visto que existimos primeiramente, e só depois construimos a nossa essência. Antes, o nada ou o absurdo, existe. Após o término de nossa existência, o nada ou o absurdo, existe. Assim, para que tal possibilidade não fosse verdadeira, deveria existia uma essência anterior à existência para dar forma ao tipo homem, tal qual o telefone ou o computador. Tal essência poderia ser interpretada de várias formas, sendo a principal delas a crença religiosa que diz que existe uma entidade criadora e cuja vida que vivemos possui um propósito em si, determinado por uma entidade divida. É sob tal alicerce que se baseia a fé, pois para um grande número de indivíduos, seria impossível suportar a vida tal como ela é de fato, isto é, um absurdo existencial sem sentido, que a transforma em sofrimento constante, amenizado pela salvação pela fé.
Para muitos, transferir a dor existencial para uma ilusão capitalista, elegendo o capital como um valor-em-si, é uma solução que, em verdade, nada soluciona... Afinal, nesse modelo de pensamento, cada vez mais alimentado pelo poder de grandes corporações e pelo sistema financeiro, o homem coisificado transforma-se em apenas uma peça na engrenagem que movimento a economia global, ou um tijolo no muro da ignorância daquilo que alguns ousam chamar de educação. Tal tijolo representa o indivíduo cerceado de sua subjetividade e liberdade, refém de um sistema que transforma a existência em algo decadente e ilusório, uma vez que carece de valor-em-si.
Na filosofia existencialista, a responsabilidade é o elemento fundamental, pois uma vez que não existem razões divinas para justificar o injustificável, compete ao indivíduo escolher aquilo que é melhor para si, assumindo os seus atos integralmente e, assim, excluindo de seu pensamento sentimentos de culpa ou arrependimento. É por isso que Sartre diz que estamos condenados à liberdade. Tal liberdade é, não raro, uma condenação, pois implica que o ser humano deve assumir-se a si mesmo e tudo que faz em sua vida: os pensamentos que lhe ocorrem, as pessoas com as quais se relaciona, as vivências que participa... Em resumo: a construção da obra de sua própria vida. Tal liberdade pode não ser suportada pelo cruel tipo homem, o qual tenderá a iludir-se com as farsas religiosas ou capitalistas. Aceitar a vida e o absurdo que é o estar-vivo e criar os seus próprios valores são as únicas formas de existir honestamente consigo mesmo, não incorrendo na negação acerca da liberdade que possuímos, nem tampouco na auto-coisificação existencial, isto é, em má-fé.
Namaste!
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Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007)
» Direção: Paul Thomas Anderson
» Roteiro: Paul Thomas Anderson, baseado no livro Oil!, de Upton Sinclair
» Gênero: Drama
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 158 minutos
» Sinopse: Um mineiro fracassado e seu filho partem para uma pequena cidade, sonhando com a riqueza obtida pelo petróleo. Dirigido por Paul Thomas Anderson (Magnólia) e com Daniel Day-Lewis e Paul Dano no elenco. Vencedor de 2 Oscars.
Fonte: Adoro Cinema
Um comentário:
Muy buena película, great performances, specially Day-Lewis, as usual. Greetings!!
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