
Por não-mente entende-se o estado de consciência no qual a mente que possuímos é colocada em segundo plano e nenhum pensamento, sentimento, absolutamente nada, pode interferir nesse estado de consciência que se deseja obter. Para os budistas, alguém se torna um buda quando atinge tal estado. Sidarta Gautama é freqüentemente chamado de o buda, pois é a primeira pessoa que se sabe a ter atingido tal estado. Mas Osho não se considera um budista, nem tampouco segue religiões, pátrias, ideologias ou filosofias. Osho orienta seus seguidores a buscar apenas e exclusivamente o caminho da iluminação pessoal, utilizando como técnica a meditação, que é uma forma de se obter o esvaziamento da mente.
Tal estado de não-mente é deveras difícil de ser obtido. Nascemos sem mente e com um cérebro e a sociedade encarrega-se de moldá-la ensinando-nos todas as coisas do mundo, de modo a que nossa mente, que julgamos precisamente que seja nossa, fique tão ocupada com pensamentos, preconceitos morais, deturpações, sentimentos dos mais variados tipos etc. que não consiga sequer perceber que tudo que existe para o homem é apenas a forma como ele interpreta as coisas que os cercam. Isto é, o homem criou o mundo tal qual ele conhece; criou inclusive o conceito de deus e engana-se continuamente acreditando que deus criou o homem!
Um dia é definido com 24 horas, mas se sabe que, na realidade, o intervalo de tempo que se convencionou chamar de dia é apenas uma ficção, uma convenção, isto é, na realidade não existe um dia de 24 horas, mas apenas o nome e suas propriedades que a espécie humana julgou conveniente em determinado momento. A matemática e a lógica são, ambas, ficções a respeito da realidade das coisas, interpretações interessantes sobre determinados fenômenos, mas, ainda assim, não passam de interpretações. Assim como as religiões e seus deuses, juntamente com seus dogmas, não passam de interpretações, meras especulações a respeito do estar-vivo. Algumas são ridículas e patéticas, como o lixo demencial relacionado ao christianismo; outras mais interessantes e respeitáveis, como a idéia de luta contra o sofrimento, princípio essencial do budismo.
Meu alter ego vê semelhanças interessante entre o método de Osho de esvaziamento da mente e a contestação da realidade que cerca o homem, num esforço consciente que os verdadeiros filósofos devem fazer para atingir alguns de seus propósitos, sendo um dos mais importantes a destruição dos preconceitos morais, sociais, religiosos e científicos, num esforço contínuo de, em certa análise, também esvaziar a sua própria mente. No entanto, tal método busca, em essência, o término do sofrimento, partindo da premissa budista que viver implica em sofrer. Ora, para fazer isso, não há outro caminho a não ser a destruição do desejo, pois o sofrimento humano existe porque existe o desejo.
Zaratustra, o herói nietzschiniano que passou dez anos na montanha, vivendo com animais, retornou ao convívio dos homens ordinários anunciando o além-do-homem e não foi compreendido. Ora, o que Zarathustra lá fazia que não meditar e esvaziar a sua mente? Ambos, Osho e Zarathustra pretendem a superação do cruel tipo homem; cada um a seu modo, mas ambos envergonham-se do tipo homem e pretendendo superá-lo. Um, desprezando o desejo; outro, amando-o a cada momento. E neste ponto reside uma grande divergência com o fundamento budista do desejo: não estaria, o homem, ao matá-lo, matando também a própria vida? Pois a própria vida, como a conhecemos, não é puramente desejo? Não me refiro aos desejos fúteis presentes na sociedade capitalista, consumista e mecanicista dos dias atuais, que vê no dinheiro uma justificativa em si, que busca adquirir coisas a todo custo e nunca se satisfaz com aquilo que obtém, que vive miseravelmente com uma multidão de miseráveis e protege-se cada vez mais a si e ao seu patrimônio, e ainda julga que vive numa sociedade livre! Refiro-me aos desejos mais nobres do tipo homem, como o desejo do conhecimento, o desejo da arte, do belo, do riso, do sexo... Osho poderia dizer que tais desejos não são, de fato, desejos: são necessidades do espírito humano. Mas a linha tênue que separa o conceito de necessidade e desejo faz-me questionar freqüentemente a respeito da luta contra sofrimento; aceitar os desejos mais nobres como algo essencial à vida, aceitando o sofrimento inato que tal escolha representa, ou retornar ao estado animal de não-mente e, assim, evitar totalmente o sofrimento? Ao que me lembrei de algumas palavras de Zaratustra, no capítulo Da Visão e do Enigma:
"...Oh, meus irmãos, eu ouvia um riso que não era um riso de homem — e, agora, devora-me uma sede, um anseio, que nunca se extinguirá.
Devora-me um anseio por esse riso: oh, como posso, ainda, suportar viver! E como, agora, suportaria morrer!"
Namaste!
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# Das Interpretações que se Tornam as Coisas em Si
"Gosto de pensar que no estar-vivo precisamos de meia dúzia de conceitos bem fundamentados para poder pensar decentemente. Sim, poucas coisas que, naturalmente, não são valorizadas."