
Ao ler a repercussão do caso, ocorreu-me pensar a respeito da arte. Então comecei a me questionar e perguntei a mim mesmo: a arte não é tudo aquilo que o espírito humano pode produzir cujo principal objetivo é a transcendência em razão da perplexidade do estar-vivo? E o artista não é aquele que ama mais a sua obra do que a si mesmo, pois dessa forma atinge a transcendência? Na nojenta sociedade capitalista, a arte é colocada numa caixa e rotulada como produto, cujo sucesso é proporcional às vendas que tal produto atinge. Com esse pensamento, a manifestação artística está limitada a um grupo restrito de indivíduos que podem pagar o preço para obtê-la. E não podem, segundo o direito intelectual, compartilhar com amigos o produto adquirido, devendo consumi-lo individualmente e, preferencialmente, sem alarde.
Considero o verdadeiro artista alguém que, por amar a sua obra mais que a si mesmo, transcende a estupidez ordinária do cruel tipo homem. E a sua obra é fruto de seu esforço, dedicação e inspiração. Merece, pois, ter seu trabalho reconhecido e remunerado. Quando milhares de pessoas têm acesso a tal conteúdo, ocorre o reconhecimento por excelência de todo verdadeiro artista. Triste a sociedade que não vive intensamente as manifestações artísticas e não valoriza seus artistas. Meu alter ego devaneia que uma sociedade sadia é aquela que reconhece e permite que seus artistas vivam e supram suas necessidades sem precisar corromperem-se na capitalização do homem e seus produtos. Um CD ou DVD que venda milhares de cópias é sinônimo de sucesso; porém, isso é apenas um dado relevante no universo capitalista e para quem acredita nesse modelo de sociedade. Uma músicas ou filme que seja compartilhado por milhares de pessoas é, igualmente, um sucesso. Nesse caso, exclui-se da arte o componente de produto, pois é apenas o desejo de indivíduos de transcender com o que é belo que motiva as pessoas a compartilhar entre si a arte que ajuda a sua transcendência.
A indústria de sanguessugas, em especial a estadunidense, quer limitar o acesso das pessoas e embutir a idéia que compartilhar arte é um crime, já que são as detentoras dos direitos autorais de tais obras. Muitas vezes, adquirem tais direitos dos próprios artistas, que sendo os criadores perdem a propriedade sobre seus produtos. Meu alter ego questiona-se se alguém pode ser dono de uma obra de arte, inclusive o seu próprio criador. Afinal, ninguém pode nada criar sozinho; toda inspiração e idéias que ajudam o artista a conceber o seu trabalho é resultado direto do meio que o sujeito está inserido; as suas experiências, vivências e sentimentos são fruto de sua existência em sociedade. Ora, jamais se ouviu falar que Platão, Newton ou Schopenhauer reclamaram direitos autorais sobre suas idéias. Nesse sentido, a sociedade contemporânea representa um modelo decadente no qual o direito autoral é um entrave na elevação da condição humana através da arte. Na verdade, pensamos que pensamos, pensamos que criamos e pensamos que somos donos de nossos supostos pensamentos. E por pensar assim, julgamo-nos detentores de obras de arte e decidimos quem pode e quem não pode acessá-la. Mas na realidade toda idéia que esteja manifestada dessa forma é de propriedade da humanidade, e não de indivíduos ordinários que nada criam e visam apenas ao lucro com a exploração do trabalho alheio.

É falsa a idéia de que o artista morrerá de fome ao não poder vender sua obra em forma de produto; tal idéia é inclusive o maior argumento da indústria sanguessuga. Na verdade, a indústria remunera o artista com migalhas de centavos do grande bolo que é a venda de arte como produto, isto é, a produção em série de enlatados cujo objetivo é aniquilar o espírito transcendental da verdadeira arte. Compete também ao artista e a sociedade que compartilha livremente o resultado de seu trabalho encontrar um novo mecanismo de remuneração ao artista. Dessa forma, elimina-se o atravessador que nada cria e possibilita ao verdadeiro artista manter-se ativo com seu trabalho e, igualmente, um universo maior de pessoas podem acessar-lhe e contribuir para uma sociedade na qual a arte assuma um papel de agente transcendental e não de mero produto de entreterimento, como hoje ocorre.
Namaste!
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# O Artista, a Obra e a Grande Rede
"Ao assistir a festa estadunidense do Oscar 2008 resolvi fazer o que já tinha feito no ano anterior, isto é, selecionar alguns filmes para assistir. Naturalmente o único local onde consegui localizar tais filmes foi na Grande Rede, através de programas de compartilhamento de arquivos."