quinta-feira, 30 de agosto de 2007
A Bomba, o Homem e a Barata
Ontem, o homem era o centro de tudo. Hoje, o Deus Mercado dá as cartas. Amanhã, as baratas reinarão soberanas. Quem de nós tem a coragem de olhar para uma barata e sentir-se envergonhado?
Divagações à parte... Esta poesia, do inigualável Drummond, mostra todo o seu ódio pelas guerras e tudo que ela - no formato de bomba - pode produzir. Por outro lado, ao lê-la e substituir os termos bomba por homem, essa poesia passa a fazer um sentido ainda maior. Eis-la:
Namaste!
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A bomba
é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba
é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba
é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles
A bomba
é grotesca de tão metuenda e coça a perna
A bomba
dorme no domingo até que os morcegos esvoacem
A bomba
não tem preço não tem lugar não tem domicílio
A bomba
amanhã promete ser melhorzinha mas esquece
A bomba
não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está
A bomba
mente e sorri sem dente
A bomba
vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
A bomba
é redonda que nem mesa redonda, e quadrada
A bomba
tem horas que sente falta de outra para cruzar
A bomba
multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação
A bomba
chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés
A bomba
faz week-end na Semana Santa
A bomba
tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia
A bomba
industrializou as térmites convertendo-as em balísticos interplanetários
A bomba
sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose, de verborréia
A bomba
não é séria, é conspicuamente tediosa
A bomba
envenena as crianças antes que comece a nascer
A bomba
continnua a envenená-las no curso da vida
A bomba
respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais
A bomba
pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba
A bomba
é um cisco no olho da vida, e não sai
A bomba
é uma inflamação no ventre da primavera
A bomba
tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro, cobalto e ferro além da comparsaria
A bomba
tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.
A bomba
não admite que ninguém acorde sem motivo grave
A bomba
quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
A bomba
mata só de pensarem que vem aí para matar
A bomba
dobra todas as línguas à sua turva sintaxe
A bomba
saboriea a morte com marshmallow
A bomba
arrota impostura e prosopéia política
A bomba
cria leopardos no quintal, eventualmente no living
A bomba
é podre
A bomba
gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é vedado
A bomba
pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o batismo
A bomba
declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade
A bomba
tem um clube fechadíssimo
A bomba
pondera com olho neocrítico o Prêmio Nobel
A bomba
é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de Paris
A bomba
oferece de bandeja de urânio puro, a título de bonificação, átomos de paz
A bomba
não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas
A bomba
desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para proteger velhos e criancinhas
A bomba
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer
A bomba
é câncer
A bomba
vai à Lua, assovia e volta
A bomba
reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação em cadeia
A bomba
está abusando da glória de ser bomba
A bomba
não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba o instante inefável
A bomba
fede
A bomba
é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina
A bomba
com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve
A bomba
não destruirá a vida
O homem
(tenho esperança) liquidará a bomba.
Carlos Drummond de Andrade
segunda-feira, 27 de agosto de 2007
Máquina de Escrever
O fato que a mim chamou-me atenção: o diretor escreve seu artigo utilizando uma máquina de escrever, trazida especialmente da Alemanha Ocidental, e cuja permanência em seu apartamento é mantida embaixo do chão, num suporte de madeira. Perceberam?! O meio para comunicação se mantinha oculto e era a hoje rudimentar e risível máquina de escrever!
Atualmente isso não faria o menor sentido, visto que temos computadores com infinitos recursos e a internet como catalisadora de toda e qualquer idéia que se deseja espalhar. E tudo isso em menos de 20 anos! Possivelmente o alto escalão da RDA, se pudesse antever o futuro, imaginaria o armageddon cá nos dias de hoje, com tamanha possibilidade de expressão.
No entanto, uma máquina de escrever era, em sua época, potencialmente mais perigosa que toda a internet hoje em dia. Como?! Qualquer um pode criar um blog ou site qualquer, servir um chá e esperar todos sentirem seus efeitos. A quantidade de informação disponível supera, e muito, a nossa capacidade de absorção. Assim, a nossa possibilidade de compreensão. Não há idéia que tenha impacto e precise ser combatida. Elas estão difundidas por aí, mas ninguém dá a mínima. Não são capazes de fazer muitas transformações e quem dera revoluções, tampouco mobilizar as pessoas.
Entre a censura de 1984 e a liberdade de expressão de hoje eu não sei dizer com precisão o que prefiro. Obviamente eu não poderia servir chá sob repressão (ao menos não com pimenta...), porém teria um sentido a alcançar, um inimigo em comum. Quando tiramos o elemento externo de nossos objetivos, muitas vezes, terminamos sem nossos próprios objetivos. Hoje, alguns se perguntam: quem é o inimigo? Quando na realidade a maioria não está nem aí para isso. Talvez, com sorte, possamos ver na economia de mercado um inimigo a ser combatido, e sua medíocre noção utilitarista e consumista do estar-vivo. Mas este é apenas um talvez. Ontem, um talvez poderia ser perigoso, assustador e revolucionário. Hoje, um talvez é apenas uma palavra que, sozinha, retorna aproximadamente 20.700.000 registros do Google.
Namaste!
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A Vida dos Outros (Leben der Anderen, Das, 2006)
» Direção: Florian Henckel von Donnersmarck
» Roteiro: Florian Henckel von Donnersmarck
» Gênero: Drama
» Origem: Alemanha
» Duração: 137 minutos

Fonte: http://www.cineplayers.com/filme.php?id=2829
quinta-feira, 23 de agosto de 2007
Nome aos Bois
Para mim, que entrei tardiamente na disputa dos chás, tive de adicionar o das cinco a este espaço. No final, ficou mais aristocrático, suponho. Imagina tomar um chá com pimenta as oito da matina? O dia estaria comprometido... Assim, apenas a noite está comprometida. E prefiro comprometê-la a comprometer todo o resto!
No final uma atitude altruísta! Percebeste como cá o leitor é valorizado em toda a sua dimensão humana, intra e extra-humana?
Namaste!
quarta-feira, 22 de agosto de 2007
A Felicidade como Princípio para uma Existência Débil

Mas como?! Primeiro é preciso conceituar a felicidade. Acredito que isso seja uma tarefa difícil, mas vamos lá: aquele sentimento de satisfação e bem-estar, uma mistura de leve excitação e contentamento; são possíveis simplificações para a felicidade nos termos que hoje vejo. Pois bem: me parece que todos buscam obter estes sentimentos, numa busca incansável por momentos que são, em essência, efêmeros. Ao buscar tais sensações e atingi-las, podemos ser felizes por breves momentos, mas já aí a massa crítica que nos comanda necessariamente nos fará cair do arranha-céus encantado de nossa suposta felicidade. A própria vida em si carece de significado; ao longo dos anos, ao que me parece, a humanidade busca tal conceito em fatores externos, especialmente nas religiões. A felicidade estava transposta no além-vida, e todo sofrimento mundano seria recompensado no futuro (esse é outro engodo, que futuramente abordarei). Hoje, ao transpor o conceito para o que é terreno e mundano, deparamo-nos com tal situação.
Um animal do tipo irracional, como um gato ou cachorro, apesar de domesticado pelo homem, é o que melhor conhece a felicidade. Nele, tudo é momento e tudo é pequena satisfação. Nele, não estão presentes o anseio da morte, tampouco o turbilhão de sentimentos que nos norteiam, com suas dúvidas, medos, incertezas etc. O bicho homem sofre porque sabe que vai morrer. Se eu não soubesse a priori que morreria um dia, não teria uma chance maior de ser feliz? Uma brisa eternizada ao amanhecer de um dia ensolarado: eis como defino a felicidade. Mas a vida é cruel e sangra por todos os lados e não oferece escolhas. É um devir enlouquecedor.
Assim sendo, o que recomendo a quem quiser ser feliz é isto: torna-te um cachorro! Quem consegue ter a ousadia de invejar um cachorro? Do contrário, riscar este falso ideal da lista de objectivos existenciais é o que de melhor se possa fazer. É possível ainda discutir o conceito de felicidade, tentando diferenciá-lo do senso comum. Sou da opinião que quando um termo é massivamente utilizado pela patuléia perde o significado e torna-se vazio. Assim, refutá-lo é uma opção sobretudo de coragem.
Como uma vez alguém cantou: mas louco é quem me diz que não é feliz, eu sou feliz... de fato, prefiro ser um mutante louco a possuir o fardo de necessariamente ser feliz.
Viva! Agora me sinto menos pesado.
Viva! Agora vejo um horizonte.
Viva! Agora posso ser folha e me eternizar numa brisa ao sol nascente.
Namaste!
terça-feira, 21 de agosto de 2007
Por Quem os Sinos Dobram

De qualquer forma... Decidi criar este espaço de voyeurismo pós-moderno para transformar em palavras as divagações que por vezes me atacam ferozmente. O que, por si só, é uma dádiva ao leitor, ou seja, vossa mercê que me o lê! Encontrarás aqui, como era de se esperar, um convite à reflexão. Garanto que irá encontrar textos extensos, rebuscados, com sínteses, antíteses, prétiteses e póstiteses e que terão o carinho especial de lançar mais dúvidas que certezas em suas conclusões (caso existam, aliás). Isto é, um óptimo passatempo antes da academia ou do joguinho de football das quartas. Não te o parece, meu caro(a) leitor(a) (para ser politicamente correcto)?? Bom, assim o espero.
Então... entra e fica à vontade! Toma um fósforo e acende teu cigarro! Aceita um chá, já são quase cinco! O nosso ocaso já começou.
Namaste!