quinta-feira, 1 de março de 2012

Sinédoque, Nova York

"It's a big decision, how one preferes to die."
Synecdoche, New York é um destes filmes em que é necessário ver mais de uma vez para uma melhor compreensão. Trata-se de uma história complexa, repleta de detalhes que passam a fazer mais (ou menos) sentido à medida que se conhece melhor a história e, conseqüentemente, compreende-se melhor os personagens. A trama desenvolve-se de modo que não é fácil distinguir entre realidade e fantasia e tal fato pode, naturalmente, tornar a história confusa e sem conclusões definitivas em seu final.

Este é o melhor tipo de filme. Ao contrário de soluções fáceis e nas quais não é necessário pensar, refletir, pois tudo está explicado ao final; tudo possui fácil digestão e tudo serve apenas como meio de entretenimento. Meu alter ego, no entanto, deseja e se interessa apenas por aquilo que o estimule a transcender à mesmice ordinária de filmes-enlatados, grande parte deles estadunidenses, que tornam o sujeito superficial, anestesiado em sua própria mediocridade. Isso reflete, de certa forma, a própria mediocridade da sociedade contemporânea, engasgada em sua superficialidade e que rejeita por princípio qualquer reflexão mais aprofundada a respeito da vida.

A história, em essência, versa a respeito do diretor de teatro Caten Cotard, um sujeito que vê a sua própria vida desmoronar ao ser abandonado por sua esposa e filha. A partir deste fato, desenvolve uma série de doenças de difícil diagnóstico por médicos. Aliás, a crítica em torno desses profissionais da saúde mostra a forma fria e mercantilista com a qual o universo médico opera. E mais: uma crítica à própria arrogância da medicina e sua pretensão de tudo saber a respeito do corpo humano.

Ninguém pode resolver a sua própria dor existencial com livros de auto-ajuda, calmantes ou drogas do gênero. A maior e mais profunda dor é a dor existencial diante da perplexidade do estar-vivo e da consciência da finitude que somente a nossa espécie possui. O melhor e o pior do homo sapiens sapiens é justamente aquilo que o diferencia das outras espécies.

Ao longo da película, Caten somente consegue melhorar quando, em resposta a todo o sofrimento de sua vida, decide criar a maior peça de teatro de todos os tempos: a teatralização da própria vida. Tudo que lhe aconteceu e tudo que lhe acontece servem de pretexto para transformar-se numa cena. Uma peça que é realizada num enorme palco, com milhares de atores e que, apesar de todos os esforços, nunca chega a estrear. Passam-se 30 anos de ensaios diários sem que a peça esteja "pronta". Interessante notar que os ataques de Caten em geral ocorrem após frustrações pessoais profundas, como quando sua mulher Adele o ignora ao telefone em Berlin, ou quando Caden vai atrás de sua filha e descobre o presente que ele enviara nunca fora recebido. Ao passar dos anos e com a construção de sua peça no sinédoque e consequente enfrentamento do seu sofrimento, a condição de saúde de Caden mantém-se estável e os ataques cessam.


Synecdoche, New York é uma película complexa que trata de nascimento, morte, separação e relacionamento. E, acima de tudo, de sofrimento. E de como o tipo homem enfrenta o sofrimento. Afinal, uma coisa é sofrer, que é natural e inerente ao ser vivo. Outra é ter consciência do sofrer. A linha tênue entre fantasia e realidade é um elemento central da película. Afinal, Caten esteve vivo durante todo o tempo ou, em determinado momento, sonhou em como seria a sua vida futura ou morreu e o restante foi apenas um sonho dos últimos minutos de vida? E o homem que o seguia e que futuramente representou a si mesmo em sua peça? Existiu, de fato? Estas questões e outras não possuem uma explicação definitiva, apenas teorias conjecturadas com fundamento nos elementos que são apresentados. Analisando desta forma, o Sinédoque é na realidade uma representação da própria vida e todos os elementos que a compõe, e no qual a teatralização dos atos torna-se um imperativo para diminuir o estado de sofrimento do homem.


Namaste!

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Sinédoque, Nova York (Synecdoche, New York, 2008)

» Direção: Charlie Kaufman
» Gênero: Drama
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 124 minutos

» Sinopse: Caden Cotard (Philip Seymour Hoffman) é um diretor de teatro que está preparando uma nova peça, ao mesmo tempo em que enfrenta problemas pessoais. Sua esposa, Adele Lack (Catherine Keener), resolveu deixá-lo para morar em Berlim, levando consigo a filha Olive (Sadie Goldstein). Madeleine Gravis (Hope Davis), sua terapeuta, aparenta estar mais interessada em divulgar seu best seller do que em ajudá-lo. Preocupado com a vida e seu estado de saúde, cada vez mais debilitado, Caden decide reunir um grupo de atores em um armazém de Nova York. Lá ele pode enfim dar vazão à sua criatividade, buscando uma peça que seja cada vez mais um paralelo de sua própria vida.
Fonte: Adoro Cinema

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Lost e a Humanidade Resgatada

"I died, too."
(Jack Shephard)

Estava eu a rever o derradeiro diálogo de Lost quando percebi que a humanidade da série fora resgatada em apenas três palavras de seu personagem principal. Em outro louquejar, divaguei que a série televisiva havia perdido o foco, apelando para viagens no tempo e transformando os personagens em super-heróis típicos do cinema estadunidense, perdendo, dessa forma, o caráter humanitário das primeiras temporadas. Pois bem: o final da série é algo digno de nota, pois resgatou esses deslizes recentes, lançando a si mesma para a posteridade como algo que merece ser revisto e discutido, pois inovou pela sua narrativa não-linear, pela complexidade de seus personagens e por um roteiro repleto de possibilidades e surpresas.

Muitos não entenderam ou aprovaram o final. Outros acharam que a série ficou com muitas perguntas em aberto. Pois seja: meu alter ego pergunta de onde vem essa necessidade humana de explicar tudo no final? A própria vida é algo sem explicação e que faz sofrer, não é fácil aceitar quando uma obra de ficção não explica como se explica a vida a uma criança de 3 anos... ver pontos de interrogação no ocaso de algo que deveria simplesmente entreter é algo que frustra. Além disso, a explicação para a realidade paralela criada na última temporada, onde os personagens não sabem que estão mortos e vivem de forma a construir uma vida que resolve os seus mais profundos conflitos é algo que, independente de crença no além-da-vida, resgatou o caráter humano de Lost. E tudo isso só ficou claro no derradeiro dialógo do personagem principal, Jack, com o seu pai. Assim como Jack, os telespectadores também não estavam entendendo o que estava a ocorrer. A racionalidade de Jack finalmente cedeu quando ele percebeu que estava morto e que precisava lembrar-se para poder esquecer (to remember and to... let go).

Os produtores de Lost responderam no dialógo final a principal questão proposta pela série: nada pode mudado, o que aconteceu, aconteceu. A possibilidade de viajar no tempo e poder, com isso, modificar o passado e até mesmo o futuro é uma fantasia humana que encontra respaldo quando se vive uma vida sofrida e sem a consciência de responsabilidade nas decisões que tomamos. Afinal, se uma ação resulta em algo nocivo, não bastaria voltar atrás e corrigir o equivoco? Tal idéia tem suas origens no conceito cristão de pecado: basta o arrependimento para libertar o pecador por seus atos. Não importa o quão grave tenha sido a sua atitude: o arrependimento, isto é, a culpa, é suficiente para que a viagem no tempo ocorra e as ações do passado sejam modificadas e corrigidas. Ao assumir a responsabilidade de seus atos, o ser humano desnudo aceita o absurdo existencial e torna-se senhor de suas ações e, principalmente, das conseqüências por seus atos. Dessa forma, eliminando o câncer cristão da culpa, aceita a existência em sua plenitude e deixa de viver uma vida de fantasia, na qual sentimentos contraditórios são uma constante.

Não é qualquer construção artística que mata duplamente o seu personagem principal na derradeira cena que terá aprovação do público. E nisso reside outro mérito de Lost: o de não criar um final feliz, no qual tudo se explica e todos são felizes para sempre... ao contrário, ao matar Jack na ilha e também na realidade paralela, os produtores passam a mensagem de que a vida é finita, tudo termina um dia, inclusive a própria vida e é preciso lidar com isso de forma madura e com responsabilidade. No final, a série tratava dos conflitos de pessoas, os mistérios da ilha eram um pano de fundo para mostrar a trajetória de cada personagem. Muitas vezes, o que se tem é exatamente o oposto: os conflitos individuais são pano de fundo para uma história misteriosa e fantasiosa. Lost termina como, quiçá, deveria a vida terminar: com muitas dúvidas em aberto, mas com a firme convicção de que as escolhas feitas em vida foram as melhores possíveis dentro das possbilidades que existiam e que aceitar esse fato e não tentar mudar o que se viveu é o que de melhor o ser humano pode buscar.

Namaste!

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Louquejares Relacionados

# Lost e a Humanidade
"
Estava eu a baixar um episódio da quinta temporada da série Lost quando, ao rever alguns episódios anteriores da famosa série televisiva estadunidense, um louquejar ocorreu-me: Lost perdeu a sua humanidade."

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A Meditação que Transcende






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A Meditação que Transcende

Hoje não me preocupo com a previsão do tempo
Não vejo televisão
Não leio revistas, jornais e os tais.

Hoje não me preocupo em acordar no horário
Não fumo, não bebo
Não me visto, não trabalho.

Hoje as preocupações humanas são risíveis
Não me importo com a crise econômica
Não me importo com a violência
Não me importa o homem e o homem é desprezível.

Hoje não me importo em argumentar, avaliar ou julgar
Não me importo com o absurdo
Não me importo em fazer nada.

Hoje não como, não bebo e quase não respiro
Hoje não desejo, não quero, não sou
Hoje a minha mente está morta.

Hoje nada possuo e nada me possui
Hoje sou um espectador de mim mesmo
Hoje estou livre,
Hoje estou morto.

Alter Ego

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A Contra Mola que Resiste









Primavera nos Dentes


Quem tem consciência pra se ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

A Arte da Digestão Transcendental

Estava eu a circular num grande centro comercial quando, ao colidir o carrinho de compras que estava eu a utilizar contra o carrinho de uma alucinada consumidora, pude perceber o quanto tal supermercado diminuiu o espaço de circulação interna em prol de prateleiras e balaios com mais produtos à venda. As prateleiras convencionais já não se sustentam por si só; é necessário ocupar cada espaço, de cada corredor, com produtos que são empurrados ao consumir como se estivessem a gritar: compra-me! consome-me! devora-me! Tal situação fez-me perceber que o nível de intoxicação consumista atinge níveis elevados em tais estabelecimentos e que, na verdade, tal situação não ocorre apenas com produtos físicos, mas igualmente com aquilo que a indústria rotulou de entretenimento.

E, ao pensar em todo este estado de coisas, lembrei-me de festas, viagens e momentos de lazer, quando se consome até o momento através de máquinas digitais, pois tiramos cada vez mais fotografias, em geral na resolução mais alta que o produto suporta, mas não investimos em aprender a utilizar os recursos que tais máquinas oferecem e, não raro, ocorre uma inquetação quando alguém se propõe a buscar a melhor configuração antes do disparo. Ao querer registrar tudo o que se vive, acaba-se por não se viver o momento pura e simplesmente. De forma semelhante, desejamos acesso à internet com banda larga com velocidades de 3, 5 ou 10 megabits para poder baixar mais e mais coisas; mas nem tempo possuímos para consumir tudo que se está a baixar. Unidades de armazenamento lotadas de filmes que não veremos, de músicas que não escutaremos ou de livros que não leremos. Às vezes, a simples sensação de obter algo e possuir a ilusão de poder usufruí-lo a qualquer tempo torna-se mais constante que o prazer ímpar de descobrir as sensações e reflexões que estão ocultas em tais manifestações humanas que estão, ou deveriam estar, à margem da sociedade de consumo.

Meu alter ego acredita que a rejeição pragmática de tudo que é vendido pela indústria de consumo é a melhor estratégia para quem deseja manter-se desintoxicado do lixo que a sociedade de consumo produz diariamente. Vivemos num momento ímpar na história da humanidade, onde o conhecimento está disponível facilmente; o desafio, hoje, é por selecionar aquilo que deve ser visto, lido ou escutado, abrindo espaço para a digestão intelectual necessária a quem deseja não se tornar apenas um macaco consumidor de qualquer imundície que lhe seja oferecida.

Meu alter ego orgulha-se dos livros que não leu, dos filmes que não assistiu e das músicas que não ouviu. Meu alter ego quer redescobrir aquilo que meu ego pensa que já descobriu. Viver como alguém que está preso numa ilha deserta: o que levar consigo sabendo-se que não haverá nada mais a consumir ao longo dos anos? Pois estar em tal ilha é perceber a finitude da própria existência, longe dos ideais contemporâneos de consumo fútil e doentio. A simples idéia de consumir a mesma coisa por várias vezes repetidamente já causa asco na maioria dos mortais, pois seria necessário utilizar-se de uma habilidade que é contrária ao que a sociedade de consumo ensina: a arte da digestão transcendental, isto é, pensar nas razões do criador, nos motivos explícitos ou implícicos, nas coincidências e referências, pensar e repensar dez vezes a mesma questão, sem uma razão ou motivo que não seja o simples prazer de aprofundar-se no abismo existencial que tais criações remetem. Sem uma utilidade, um objetivo, uma razão, porém com o pleno sentimento de digerir adequadamente aquilo que se está, não a consumir, mas a contemplar.

Namaste!

sábado, 10 de outubro de 2009

O Clube da Beleza

"I need to remember. Sometimes there's so much beauty in the world. I feel Iike I can't take it and my heart is just going to cave in."

Ricky Fitts ao mostrar o seu mais belo vídeo para Jane Burnham


1999 foi um grande ano na história do cinema. Naqueles dias, havia um clima de inquietação no ar, as pessoas estavam ansiosas para a virada de século e milênio, na esperança que tal evento modificasse alguma coisa em suas vidas. Na prática, como se sabe, a virada só ocorreu na passagem de 2000 para 2001, apesar de grande parte da humanidade ter comemorado um ano antes. A humanidade gosta mais de ver gestos que ouvir razões é uma frase de Nietzsche que se aplica com maestria nesse caso.

Para o cinema, 1999 foi o ano do último trabalho de Stanley Kubrick, Eyes Wide Shut (De Olhos Bem Fechados); a obra-prima de Almodóvar e o seu Todo Sobre Mi Madre; Magnolia, espetacular em seus 188 minutos, do diretor Paul-Tomas Anderson. Grandes filmes que estava eu a rever recentemente. Meu alter ego acredita que uma película que não merece ser revista não deve sequer ser vista. Afinal, se aquilo que se vê não é capaz de, senão transformar o sujeito, ao menos lhe instigar a pensar em algo diferente, então se trata apenas de entretenimento. E somente um macaco de zoológico gostaria de entreter-se, pura e simplesmente.

E outras duas boas películas de 1999 são dois filmes que possuem algumas semelhanças interessantes entre si: American Beauty (Beleza Americana) e Fight Club (Clube da Luta). Ambos retratam a história de homens comuns, que venceram na vida, atingindo o ideal estadunidense de bom emprego, carro do ano e estabilidade financeira, porém são profundamente infelizes existencialmente. Meu alter ego acredita inclusive que Jack é na realidade Lester Burnham mais jovem, caso o primeiro não tivesse sofrido forte intervenção de seu alter ego.

Imagine-se o sofrimento pelo qual passa um indivíduo cujo maior prazer de seu dia é masturbar-se no banho matinal antes de se deslocar ao trabalho (It's all downhill from here). Ou ainda do jovem Lester, que possui tudo aquilo que poderia desejar, mas precisar consumir mais e mais, comprando coisas para o seu apartamento, de modo a torná-lo cheio como uma maneira de mascarar o próprio vazio de sua existência. Um está sedado e o outro não consegue dormir. Uma jovem ninfeta e o seu poder de sedução colocam o velho Jack de volta à vida, fazendo-o sentir o prazer perdido em sua juventude. Grupos de ajuda para alcoólatras ou cancerígenos tem o poder de acalmar o jovem Lester e fazê-lo dormir novamente (Babies don't sleep this well). É que, para ele, perceber o sofrimento humano frente a frente o ajuda a resgatar a sua humanidade. Tal estratagema, em verdade, cai por terra quando o jovem Lester percebe que uma outra pessoa também utiliza da mesma farsa para se sentir melhor. Marla é o alter ego feminino dele e a sua presença em seus grupos de apoio anulam o efeito catártico e, assim, a insônia volta a atacar-lhe implacavelmente.

Para o velho Jack, a questão se resolve quando volta a fumar maconha, praticar exercícios físicos, escutar rock and roll e libertar-se da dominação de sua mulher e conseqüente casamento frustrado. Para o jovem Lester, o problema é um pouco mais complexo: fico a imaginar a dor de alguém que explode com sua vida ao forjar um acidente em seu próprio apartamento, o qual possuia todas as suas coisas mais valiosas (that condo was my life)! A explosão, arquitetada por seu alter ego, representa a opção radical de zerar uma vida estúpida e sem sentido. Mas simplesmente aceitar tal verdade significaria morrer efetivamente e a única maneira possível de isso acontecer foi através do seu alter ego, criando uma situação psicológica na qual se está deixando um estilo de vida por uma fatalidade e não por uma opção consciente. Afinal, quem em sã consciência explodiria o seu próprio apartamento e todas as suas coisas?

A insatisfação manifestada por ambos personagens é, na realidade, uma insatisfação social contra um modelo de sociedade que é dominado pelo sistema financeiro e pelas grandes corporações, onde tudo se justifica pelo lucro, onde tal escória ousa determinar o que é certo e o que é errado. E é curioso que a sociedade livre, que se orgulha de ser democrática e de permitir aos indivíduos a liberdade de escolha, tornou-se a sociedade mais desigual de toda a história da humanidade! E muitos acreditam que pelas vias democráticas conseguirão mudar o status quo... Na verdade, louqueja meu alter ego, para se mudar qualquer coisa é preciso primeiramente mudar-se a si mesmo. Até hoje a humanidade acreditou que modelos políticos e sociais pudessem transformar o homem... Lester e Jack mostram que a transformação individual diante da realidade opressora da sociedade contemporânea talvez seja a resposta mais apropriada para quem deseja transcender aos ordinários valores que lhes são impostos em suas vidas.

O cerne da questão de ambas películas está na insatisfação do homem contemporâneo com o estilo de vida da sociedade de consumo, que tem nos Estados Unidos o país exportador por excelência do modelo american way of life. Ter um bom emprego, o carro do ano, vencer na carreira e com isso ganhar dinheiro para poder comprar coisas é tudo que alguém desejaria? E as questões existenciais? E as questões filosóficas? E a verdadeira arte? Há algum espaço nesse modelo de sociedade para estas coisas que são em essência inúteis? Tal sociedade utilitarista simplesmente rejeita tudo que não tiver caráter utilitarista... Ricky, o voyeur que filmava coisas estranhas e percebia beleza onde ninguém mais percebia, diz que precisa se lembrar que há muita beleza no mundo. Cercado de falsidade e superficialidade, não pode esquecer que há na vida muito mais que aquilo que a mediocridade corrente o faz crer. Assim como a sociedade contemporânea simplifica tudo, quantifica tudo, produtifica tudo, presa a dicotomias próprias da razão cartesiana, é preciso lembrar-se que a arte, em uma visão transcedental da vida, é justamente o que torna possível a própria existência e que tal existência pode ser rica em sentimentos, emoções e idéias, que estão à margem da sociedade contemporânea, cuja fragilidade e superficialidade foram tão bem retratadas em American Beauty e Fight Club.

Namaste!

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Clube da Luta (Fight Club, 1999)

» Direção: David Fincher
» Roteiro: Jim Uhls, baseado em livro de Chuck Palahniuk
» Gênero: Drama
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 140 minutos

» Sinopse: Jack (Edward Norton) é um executivo yuppie, trabalha como investigador de seguros, mora confortavelmente, mas sua ansiedade o faz conviver com pessoas problemáticas como a viciada Marla Singer (Helena Bonham Carter) e a conhecer estranhos como Tyler Durden (Brad Pitt). Misterioso e cheio de ideias, Tyler apresenta para Jack um grupo secreto que se encontra para extravasar suas angústias e tensões através de violentos combates corporais.
Fonte: Adoro Cinema


Beleza Americana (American Beauty,
1999)

» Direção: Sam Mendes
» Roteiro: Alan Ball
» Gênero: Drama
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 121 minutos

» Sinopse: Lester Burham (Kevin Spacey) não aguenta mais o emprego e se sente impotente perante sua vida. Casado com Carolyn (Annette Bening) e pai da "aborrecente" Jane (Tora Birch), o melhor momento de seu dia quando se masturba no chuveiro. Até que conhece Angela Hayes (Mena Suvari), amiga de Jane. Encantado com sua beleza e disposto a dar a volta por cima, Lester pede demissão e começa a reconstruir sua vida, com a ajuda de seu vizinho Ricky (Wes Bentley).
Fonte: Adoro Cinema

sábado, 15 de agosto de 2009

A Insustentável Leveza do Escafandro

Assisti recentemente à película francesa Le Scaphandre et le Papillon (O Escafandro e a Borboleta), que versa sobre a história de Jean-Dominique Bauby: um homem ordinário que é vítima de um acidente vascular cerebral e perde a totalidade de movimentos do corpo, à exceção do movimento de um olho. Nenhum dano sofre a sua mente, que permite ao sujeito ver e ouvir tudo que se passa ao seu redor, sem - no entanto - poder interagir com qualquer pessoa de forma mais efetiva.

Ao acordar e dar-se conta de sua situação fatídica, Jean-Dominique entra em profundo desespero. Uma enfermeira o ajuda a dizer palavras através do método binário sim e não, sendo uma piscadela para sim; duas, para não. As letras são soletradas uma a uma, em ordem de ocorrência da língua francesa. A primeira frase que Jean-Dominique olhetra é eu quero morrer. Com efeito, que razões deveriam existir para alguém em sua condição desejar continuar a viver? A morte para alguém já morto seria a melhor opção. Afinal, a vida implica em movimento e sem movimento não há vida. Tudo que se move é vivo, tudo que está parado é morto. Com o passar dos dias, porém, Jean-Dominique passa a aceitar a sua condição e, após estabelecer um canal eficiente, ainda que lento, de comunicação, decide escrever um livro, no qual divaga a respeito de sua condição e de seus mais profundos e belos sentimentos sobre a vida e tudo que há.

E, ao pensar e refletir sobre todo este estado de coisas, tive um devaneio no qual desejei por algum momento tornar-me um escafandro e vivenciar a experiência única de morrer estando vivo. Afinal, como espectador da vida poderia visualizar toda a beleza e singularidade de tudo que há, numa contemplação sem fim. Depois disso, um dilema passou a consumir-me e não consigo parar de nele pensar: é preferível viver estando morto ou morrer estando vivo? Isto é, é preferível viver uma vida ordinária, desperdiçando horas e mais horas em escritórios sem vida, cujo único objetivo é produzir riquezas de modo a aumentar o lucro dos cães-acionistas; viver na neurose da sociedade contemporânea, repleta de violência e superficialidade; viver na sociedade de consumo e tornar-se a si mesmo um produto descartável e medíocre, ou morrer ao perder todos os movimentos, mas poder apreciar a vida, ter todo o tempo do mundo, tornar-se para a vida um ser que observa e reflete sobre tudo que vê e sente e, como se isso não fosse o suficiente, poder escrever o livro mais inusitado da história do homem? Um livro que foi olhetrado por alguém que divagou por horas pensando em encaixar as frases que deveriam compô-lo. Letra a letra, sílaba a sílaba, palavra a palavra.

Tal dilema, embora esteja a me atormentar, é motivo de riso pelo meu alter ego. É que para ele esse é um dilema falso, pois estabelece duas condições que não são necessariamente contraditórias e não necessariamente conduzem ao mesmo fim. É possível, e muitas vezes necessário, ser um escafandro ao abster-se do movimento e contemplar pura e simplesmente tudo que há. Sem culpa, sem desejo e sem ansiedade. Por outro lado, ser um escafandro preso pelo sentimento de dever e submissão, vivendo uma vida sem a vontade de transcendência, em especial a transcendência pela arte, preso a valores falsos da sociedade de consumo, significa a morte antes de morrer. Nesse sentido, louqueja meu alter ego, Jean-Dominique viveu os melhores meses de sua vida quando esteve preso ao seu corpo, porém a sua mente, como uma borboleta, pôde voar através do pensamento reflexivo, da contemplação, da auto-crítica em relação ao seu estilo de vida anterior e, finalmente, da aceitação de sua condição de forma ímpar. É possível que o seu maior objetivo ao escrever o livro fosse transmitir a idéia de que o homem jamais deveria fazer ou aceitar uma situação cuja condição lhe impedisse de transcender e vivenciar o instante do estar-vivo com um sorriso próprio daqueles que jamais poderiam levar a vida a sério demais, daqueles que são descrentes de tudo, mas ainda assim buscam algum significado existencial para além da vida medíocre que é oferecida pela sociedade contemporânea.

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O Escafandro e a Borboleta (Le Scaphandre et le Papillon, 2007)

» Direção: Julian Schnabel
» Roteiro: Ronald Harwood, baseado em livro de Jean-Dominique Bauby
» Gênero: Drama
» Origem: França
» Duração: 112 minutos

» Sinopse: Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric) tem 43 anos, é editor da revista Elle e um apaixonado pela vida. Mas, subitamente, tem um derrame cerebral. Vinte dias depois, ele acorda. Ainda está lúcido, mas sofre de uma rara paralisia: o único movimento que lhe resta no corpo é o do olho esquerdo. Bauby se recusa a aceitar seu destino. Aprende a se comunicar piscando letras do alfabeto, e forma palavras, frases e até parágrafos. Cria um mundo próprio, contando com aquilo que não se paralisou: sua imaginação e sua memória.

Fonte: Adoro Cinema