quinta-feira, 22 de maio de 2008

O Cheiro do Ralo

Assisti recentemente a uma ótima película do cinema tupiniquim chamada O Cheiro do Ralo. Uma produção simples, sem os super-mega-ultra-efeitos do enfadonho cinema estadunidense, a qual convida ao telespectador à reflexão acerca dos valores da sociedade atual. No filme, um comerciante de meia-idade compra objetos usados de seus desesperados clientes, estabelecendo uma relação mercantilista e por vezes sarcástica com o desespero humano em busca de dinheiro. Ele compra vários objetos, mas não vende nenhum! Como se fosse possível armazenar em seu pequeno esconderijo todas as riquezas humanas, obtidas em geral a preço vil. Tal relação é um reflexo da sociedade contemporânea: consumista, patética e com o ideal lucrativo acima de tudo. Os objetos compráveis deveriam - numa sociedade saudável - ser apenas os meios para coisas mais preciosas, como as idéias e a arte, e jamais fim em si mesmos.

E, à medida que mais objetos adquire, o ralo de seu escritório começa a feder por um problema estrutural de seu banheiro. No início o cheiro o desagrada, mas com o decorrer da história ele passa a tolerá-lo e por fim passa a gostá-lo de forma quase bestial, tal qual o tipo homem venera indicadores econômicos, bolsa de valores e crescimento econômico. Como se tais coisas em si tivessem algum valor e pudessem ajudar a elevar a condição animal do cruel tipo homem!

No meio deste estado fétido de coisas, porém, havia uma esperança de felicidade em algo que ele não podia, aparentemente, comprar: o corpo de uma garçonete cuja lanchonete freqüentava regularmente. Não por acaso, a bunda de tal mulher torna-se obsessão para o sujeito, que com isso consegue ver a beleza na sujeira, pois tais coisas estão próximas em tal região. Neste ponto, estabelece-se uma relação entre os dois, cujo progresso depende de uma mudança de percepção do sujeito em relação aos seus próprios valores do estar-vivo. Mudança esta que é deveras difícil para o tipo homem perceber e aceitar.

Por fim, uma menina que freqüentava seu escritório e vendia peças roubadas de sua casa para conseguir dinheiro para sustentar o seu vício, termina por atirar no anti-herói contemporâneo e, com isso, vingar-se das humilhações que passou nas vezes que ali esteve.
Ah, este é o final do filme, caro leitor! Não tive a intenção de revelá-lo, como também não tive a intenção de ocultá-lo! Eu e meu alter ego não nos importamos de saber intelectualmente o final de uma história, pois para nós isso não tira o brilho ou escuridão do momento a posteriori que se viverá. Na vida todos sabemos qual final teremos, mas nem por isso deixamos de vivê-la!
Tal final trágico pode ser comparado como o desespero humano em nível demencial diante da sociedade que o sujeito está inserido (em muitos casos, excluído). Tal menina pode ser reconhecida como os mendigos, pedintes, flanenilhas e toda sorte de infelizes que assombram o homem ordinário no seu dia-a-dia. E muitos ainda se fazem perplexos quando recebem um tiro gratuito e terminam por perder a própria vida em assaltos tão comuns no Impávido Colosso! É que saindo de si e pensando na perspectiva do outro, esquecendo um pouco que ele é o inferno, deparar-se-á com alguém excluído e marginalizado pela sociedade, cujos objetos não pode comprar e, por isso, precisa roubá-los. Na verdade, devaneia meu alter ego, não é tanto pelo objeto em si, mas também pela vingança existencial por viver numa sociedade que o trata como igual, quando claramente não o é, e por julgar que a sua liberdade de nada vale se ele viver na miséria e em sofrimento constante.

Namaste!

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O Cheiro do Ralo (2007)

» Direção: Heitor Dhalia
» Roteiro: Marçal Aquino e Heitor Dhalia, baseado em livro de Lourenço Mutarelli
» Gênero: Comédia
» Origem: Brasil
» Duração: 112 minutos

» Sinopse: O dono de uma loja que vende objetos usados se vê em apuros após ter que se relacionar com uma de suas clientes, que julgava estar sob seu controle. Dirigido por Heitor Dhalia (Nina) e com Selton Mello no elenco.

Fonte: Adoro Cinema

terça-feira, 13 de maio de 2008

A Fila, O Circo e a Democracia

Num dia destes, entre o primeiro e o segundo cigarro do dia, fiquei estupefacto ao ouvir uma notícia dada por um repórter de uma rádio: uma fila enorme formou-se no Tribunal Regional Eleitoral de uma capital do Impávido Colosso, também conhecida como Capital Mundial da Carroça. É que era o último dia para regularização do título eleitoral e, como não podia deixar de ser, muitos impávido colossensses deixaram para a última hora para ficar quites com a Justiça Eleitoral e, assim, poder exercer o seu direito democrático de votar nas eleições vindouras.

Impávido-colossensses confraternizam em fila democrática

Mas qual não foi o meu espanto quando o repórter perguntou a um dos transeuntes que lá estavam o que exatamente estava fazendo por ali - se tirando o primeiro título ou regularizando - e a resposta foi: "estou aqui acompanhando o meu amigo". Pois seja! O brasileiro adora uma fila, pensei. É um momento ímpar de confraternização entre os pares, cuja alegria pelo burburinho que se forma praticamente anula o tédio pelo demora bestial no meio da calçada.

E, ao pensar neste estado de coisas, um louquejar me ocorreu: como a idéia de liberdade é tida no mais alto nível pela sociedade contemporânea e como tal idéia nefasta representa um engodo que ajuda a manter a sociedade que se propõe a ser igual a ser, justamente, a mais desigual de toda a história universal do cruel tipo homem. O que os profanadores não dizem é que nunca a diferença entre os que mais possuem para aqueles que quase nada possuem foi tão grande. E, ainda assim, muitos louvam tal sociedade e tal sistema democrático que transforma um direito em um dever e diz que todos são iguais perante a lei. Na verdade, devaneia meu alter ego, o tipo homem é desigual por natureza, seja em âmbito cultural, psicológico e, especialmente, intelectual.

As eleições no Impávido Colosso são um circo, com direito a muitos palhaços e animais de toda ordem. Até a obrigatoriedade do ato de votar torna-se uma aberração para o próprio conceito democrático eletivo. E se eu julgar que não estou adequadamente preparado para votar em alguém, e quiser me ausentar de tal processo?! E se pensar em quantos indivíduos sem qualquer preparo intelectual para discernir entre a ideologia de um partido de um candidato ou outro?! Questões que não são tratadas como deveriam e, por isso, tornam o processo eleitoral tupiniquim digno de riso e lamento.

A verdadeira democracia encontrava-se na Grécia Antiga, berço da civilização ocidental, na qual os iguais eram tratados como iguais, e os desiguais, como desiguais. Nada mais justo, nada mais recto. Este conceito se confunde com o ideal aristocrático de sociedade, no qual indivíduos melhor preparados assumem maduramente o comando das decisões e por isso mesmo prestam a assistência necessária aos desafortunados e doentes de toda ordem; para lhes proteger e também a si mesmos. Porque, em verdade, quando se trata um desigual como um igual, dizendo-lhe que tem poder de decisão, quando claramente não tem nenhum, comete-se o ato mais covarde e que gera a mais profunda injustiça entre os homens.

Tais ideais não são bem-vistos no democrática sociedade contemporânea, a qual - com o auxílio da pseudo-ideologia estadunidense - tenta perpetuar-se por todo o mundo, não respeitando culturas diferentes, nem tampouco pensamentos opostos sobre a vida e o estar-vivo. Eu, influenciado pelo meu alter ego, há muitos anos que simplesmente anulo totalmente o meu voto e me rio daqueles que acreditam que este sistema de tal forma possa mudar o status quo, que hoje trata desiguais como iguais, e gera miséria, lixo e desigualdade em proporção jamais vista.

Namaste!