quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

A Ignorância, o Homem e a Montanha

Uma das muitas desvantagens de se viver no início de uma nova era, como hoje se vive o nascimento da era da informação, é justamente não conseguir comunicar-se adequadamente e obter respostas claras e precisas para questões ordinárias do dia-a-dia. É preciso uma dose cavalar de paciência para suportar a estupidez e falsidade da sociedade contemporânea. A solidão a um ou a dois, como sugeriu Nietzsche, pode ser a melhor resposta para quem deseja manter-se limpo na imunda sociedade a qual estamos submetidos nos pálidos dias de hoje.

Vou relatar algumas situações que meu ego vivencia constantemente no trato com diversas companhias (que hoje, em verdade, são entidades abstratas formadas por cães e ovelhas e, eventualmente, porcos) para justificar os argumentos do meu alter ego. Nesse sentido, tenho de reconhecer que ele, e seus devaneios constantes, ajudam-me a suportar com certo bom humor as situações absurdas do dia a dia.

Vejamos: escrevo por e-mail para uma das grandes sanguessugas (ou sanguesunga, segundo o molusco presidencial) da telefonia Impávido Colossensse, que pelas tarifas adoptadas, enriquece a cada chamada efetuada pornograficamente os seus acionistas-cães. Minha dúvida é simples: como altero minha senha de acesso ao sítio da empresa? Mais simples que isso só mijar para frente. Pois seja, a resposta que obtive: "vá ao sítio e utilize a opção lembrar senha, que mostrará a dica de senha que você criou. Caso você ainda assim não se lembre de sua senha, nós lhe enviaremos metade (sic) de uma nova senha para o seu e-mail". Minha pergunta foi respondida? Não. Pior: quem respondeu sequer se deu ao trabalho de ler o questionamento por mim realizado. Se leu, não entendeu: o que equivale a não ler...

Em outra situação inusitada, uma instituição bancária que oferece serviços pela Grande Rede, especialmente de consulta de contratos de financiamentos, mostrou-se ímpar na arte da ignorância internética. Pois seja: além de restringir o horário de funcionamento dos serviços (como se a internet fechasse as portas as 20hrs e só abrisse novamente as 8h do dia seguinte!!!), todas as informações enviadas utilizam um canal não-seguro de comunicação de dados (protocolo http), quando se esperaria que houvesse um formulário seguro (https) para o acesso a estas informações. Pensei comigo mesmo: vou escrever e sugerir uma melhoria de segurança, isto é, aflorou em mim o espírito altruísta e fiz uma consultoria gratuita à empresa. O formulário de contato, como era de se esperar, também era inseguro. E pior: exigia vários dados cadastrais para o contato! Pois seja, falseei todos eles e simplesmente enviei a minha mensagem como sugestão. Resposta: não localizamos os dados de seu contrato, confirme-os para que possamos atendê-lo. Mas se eu os confirmar, estarei incorrendo em expor dados pessoais por um meio não-seguro!! O que fazer? Tentei novamente e a resposta foi a mesma, tal qual um macaco a repetir a mesma tarefa numa linha de montagem ao melhor estilo de Ford.

Em outro caso, a fabricante de um aparelho de som automotivo responde a um questionamento realizado através de e-mail com a seguinte resposta: nós temos técnicos especializados prontos a atendê-lo pelo número de telefone tal. Tudo bem, mas então por que oferecer um serviço de comunicação por e-mail que não funciona, apenas pelo bom e velho telefono? Questionei novamente a empresa, pois se eu fosse surdo-mudo, como obteria suporte? Naturalmente, uma empresa que vende dispositivos de áudio não se preocupa muito com a inclusão social de tipos que não escutam ou falam, imaginei eu para justificar tal ato. Porém, uma resposta ao meu novo questionamento, não ocorreu.

Todas estas patéticas situações diárias são um reflexo da sociedade decadente em que vivemos. Meu alter ego divaga que a vida nas montanhas, onde é possível ainda respirar ar puro, é o que melhor representa a liberdade do tipo homem. O regresso à condição animal e abandono do mundo tecnológico dominado por cães e porcos é o caminho mais transcendental que se poderia pensar atualmente. Eu me rio de tais idéias e concluo que já não consigo viver sem a tecnologia que utilizo em quase todos os momentos da minha existência. Em seguida, porém, me calo e meu alter ego sorri vitorioso, pois sabe que a suposta liberdade, tão celebrada aos quatro ventos actualmente, não passa de ilusão como, aliás, a patética sociedade contemporânea.

Namaste!

domingo, 13 de janeiro de 2008

A Soberania das Carroças

Estava eu a abastecer meu veículo num destes repositórios de combustível, que no Impávido Colosso representam uma fonte de tributação que beira ao infinito, quando uma situação inusitada ocorreu: uma carroça adentrou ao ambiente, e com toda a pompa possível, parou ao lado do calibrador e, com toda a calma do mundo, o seu condutor desceu e calibrou os seus pneumáticos. Esta é uma cena comum numa grande capital do Impávido Colosso, também conhecida como Capital Mundial da Carroça.

Para o motorista comum, as carroças constituem um estorvo e a sua simples presença nas ruas é motivo de raiva e indignação. No entanto, ao sair de si e observar a questão no distanciamento necessário para poder formar um juízo com alguma precisão, louquejei que uma solução para o mundo pós-moderno está justamente no maior uso de carroças, em detrimento ao uso de veículos automotivos. E, nesse sentido, a Capital da Carroça está na vanguarda do desenvolvimento humano e sobre-humano do tipo homem.

Como!? Substituir os modernos veículos por carroças?! Muitas são as vantagens, devaneio eu: ajudaria a resolver alguns graves problemas mundiais, como a disputa por petróleo, que tantas guerras por território têm gerado; ajudaria, e muito, a reduzir a poluição planetária; sem contar que diminuiria drasticamente a quantidade de acidentes graves, que vitimam a todo ano milhares de impávidos colossenses. Aliás, vejo tantas campanhas da mídia tradicional (aquela cujo pensamento e disseminação assemelha-se a de um cavalo...) na tentativa de diminuir o que se chama violência no trânsito, porém, em nenhuma delas, a carroça é sugerida como solução para os problemas de tráfego cotidiano. E por quê isso? Há muitos interesses envolvidos... Imagina, caro leitor, se o homo sapiens sapiens simplesmente deixasse de comprar seus potentes veículos poluidores e assassinos e passasse a, convenientemente, experimentar o passeio agradável e ecologicamente correto de uma carroça? Isso não representaria uma revolução na maneira como vemos o mundo, os valores e o próprio estar-vivo?

Porque a pressa é um câncer e ir rápido de lá para cá, numa obsessão inútil de chegar primeiro, e com isso ganhar tempo, sabe-se lá para quê, é um mal que aflige o tipo homem neste início de século XXI. O uso da carroça teria o benefício terapêutico da lentidão, que ajudaria o tipo homem a ganhar perspectiva e inclusive confraternizar de modo mais efectivo com seus pares. Meu alter ego me sugere tais devaneios com alguma freqüência; eu, porém, sou covarde e prefiro o conforto do meu veículo, e sua rapidez de deslocamento. O que ocorreria, pois, se o alter ego de vários representantes do tipo homem louquejassem ao mesmo tempo a tal ponto de dominar em sua totalidade o seu ego e, com isso, subjugassem o automóvel em priorização da carroça?

Namaste!

sábado, 5 de janeiro de 2008

Versos para o Ano Novo

Um novo ano se inicia, ao menos para aqueles cujo calendário gregoriano é o oficial, e se renovam as esperanças de um mundo melhor, com mais paz, amor, justiça e felicidade. Certamente o nobre leitor já ouviu e leu diversas vezes tais palavras e, assim como meu alter ego, está cansado desta pasmaceira fugaz. Acredito que o tipo homem necessite destes votos para suportar a estupidez de sua existência. E a divisão do tempo em anos, essa interpretação conveniente do estar-vivo, possibilita-nos a cada ano renovar as esperanças de um mundo melhor. Ações efectivas para isso, no entanto, são muito poucas. O que conta é a intenção, diz-me com toda propriedade aquele que profana repetidamente tais votos.

Este espaço de voyeurismo pós-moderno também quer felicitar - à sua maneira - o seu venerável leitor. Os louquejares não estão ocorrendo com tanta freqüência, em especial devido ao calor excessivo que o Impávido Colosso possui por estes dias. Não há vida inteligente quando o termômetro ultrapassa os 30º! E meu alter ego pede trégua e limita-se a não-pensar sob tais circunstâncias...

De qualquer forma, nada melhor que citar o melhor poema do mestre Augusto dos Anjos: Versos Íntimos. Nele, a própria realidade é tão real e tão ácida que funciona como um soco no estômago para todos aqueles que acreditam nas tais baboseiras de renovação a cada novo ano... Ao pensar comigo mesmo, eu me surpreendo ao perceber que tal poesia ainda não conste na íntegra neste chá; apesar de aparecer em diversos momentos, em fragmentos em alguns posts e até na mensagem intro que se pode ler ao topo deste blog.

Namaste!

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Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos