sábado, 15 de dezembro de 2007

Ócio Criativo

Estava eu aborrecido executando uma tarefa tediosa quando, num devanear repentino, questionei-me se eu deveria realmente dedicar o meu tempo em algo que não me causa prazer. E, ao dizer para mim mesmo tais palavras, alguns questionamentos me fulminaram; meu alter ego, aproveitando-se da situação, fixou-se num deles e assim me sussurrou:



Por que o tipo homem trabalha, hoje, da mesma forma como trabalhava há 50 anos, se houve uma drástica mudança nos instrumentos disponíveis para a realização de tarefas, e o esforço repetitivo é realizado, em grande parte, por máquinas? Por quê, após aparente triunfo tecnológico, não me é possível fazer simplesmente aquilo que eu desejar e que, por extensão, me proporcione prazer?

Suponho que temos uma grande dificuldade em aceitar o prazer como justificativa fundamental para a existência humana. Talvez seja a herança de uma (des)cultura cristã de séculos de estupidez e contra-senso ao terreno: porque, em verdade, foi contra o prazer e a vontade que as religiões, entre elas inclusive o budismo num nível mais intelectual, e o cristianismo, num nível mais boçal, envenenaram o coração do homem a ponto tal de sequer conseguir desejar ter prazer! É mais fácil dominar quando não há vontade; é mais fácil dominar o inimigo quando está fraco e entediado. E esta é a fórmula humana para a desgraça e mentiras que foram contadas ao longo de séculos por sujeitos entorpecidos contra a vida e tudo que é mundano.

Tudo deveria se justificar pelo prazer, seja ele físico, emocional, intelectual e inclusive sexual. Tudo que, ao ser feito, proporcione uma sensação de bem-estar ímpar a tal ponto que a vontade em reviver tais momentos seja tão forte que forneça a justificativa existencial para um possível eterno retornar.

E, ao pensar neste estado de coisas, lembrei-me das idéias do sociólogo Domenico De Masi, que se tornou conhecido mundialmente ao propor o que ele chamou de ócio criativo, que é uma maneira de encarar o trabalho e o prazer como coisas tão próximas de si que o sujeito não saiba mais diferenciar interesses pessoais de interesses profissionais. Tal situação só é possível com a substituição do controle pela motivação dos funcionários. Segundo o próprio De Masi, poucas, ou raras empresas, conseguem aderir ao ideal de criatividade através do ócio. Uma entrevista interessante, na qual De Masi expõe suas idéias, pode ser encontrada aqui.

Sinto-me frustrado por viver numa época com todas as possibilidades imagináveis disponíveis e uma forma retrograda de se pensar o trabalho. Mecanismos de controle como cartão ponto, carga horária e banco de horas certamente não são compatíveis com o ideal do ócio criativo. Porque, ao que me parece, é impossível pré-determinar logicamente um processo criativo que é ilógico por definição e, não raro, anárquico.


Quisera eu que as idéias próprias e instigantes fossem louvadas e celebradas!

Quisera eu que a postura crítica e autocrítica fosse condição sine que non, tanto nas pequenas, médias e grandes empresas!

Quisera eu que para fazer parte do clube da gravata não fosse necessário, após um cumprimento com sorriso falso, esfaquear o outro pelas costas!

Quisera eu que a motivação subjugasse o controle!

Quisera eu poder trabalhar exatamente da mesma maneira como brincava na mais longínqua infância! E que o ideal lúdico pudesse transcender aos pseudo-valores ordinários e mesquinhos, cuja impregnação grita e fede no ignorante tipo homem e sua bestial noção utilitarista do estar-vivo.

Namaste!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Dossiê Virtual

Estava eu a navegar na grande rede quando avistei um iceberg e um devanear me ocorreu: como, hoje, somos dependentes da tecnologia que criamos. E como isso está escravizando o tipo homem. Pois, a promessa de que, ao ter máquinas e computadores que fizessem o trabalho sujo, o ser humano poderia dedicar-se a coisas mais nobres em sua existência, além do trabalho forçado e servil, parece-me que houve o efeito inverso. Trabalha-se cada vez mais em coisas como soluções e avanços tecnológicos, em nome única e exclusivamente de aumentar o lucro dos cães que governam as maiores corporações mundiais. A justificativa é o lucro? Tudo se explica pelo lucro, tudo é aceito pelo lucro... E a mais-valia de Marx jamais, em toda a história do homem, esteve num nível de discrepância tão alto.

Pensando nisso, há uma deturpação do conceito de evolução biológica: vendem a idéia de que o computador de última geração é a solução para todos os males do mundo! E que, o último sistema operacional lançado pela empresa do poderoso nerd de Redmond é algo inovador e espetacular! E que as ovelhas devem correr para atualizá-lo e, assim, acompanhar a evolução tecnológica, cujo ideal eu me questiono e ponho-me a pensar e aí muito louquejares ocorrem... Afinal, em nome de que ou quem ou o que seja a humanidade tem pressa e sede de velocidade e busca a todo custo avançar a um patamar superior, se há uma total carência de valores dignos que justificassem tal delírio estritamente comercial? Antes, não houvesse essa suposta evolução: ao menos haveria tempo para o cruel tipo homem pensar em si e olhar-se à distância, de modo a perceber a estupidez de sua existência, e ainda mais de seus pseudo-valores sobre o estar-vivo.

E, pensando em todo este estado de coisas, percebi que uma entre as empresas que valem mais que muitos países aparentemente tem uma visão diferente e oferece muitos serviços que agregam valor, como é bonito falar, gratuitamente. O chá aqui serviço neste espaço de voyeurismo pós-moderno só existe da forma como está apresentado porque tal empresa disponibiliza esse serviço. Além deste, vários outros, como correio eletrônico, agenda, central de relacionamentos, bloco de notas, fotos, documentos e vídeos online. Sem contar com o buscador de palavras, que na sociedade contemporânea representa o portal do conhecimento de tudo que há. E tudo isso gratuitamente, aparentemente sob a roupagem de empresa inovadora, que busca resgatar o espírito inocente do período pré-porcos da grande rede. Ao que meu alter ego questiona: isso é compatível com o espírito canino que reina no mundo, hoje?

Uma possível resposta pode ser obtida através do termo de uso do Google Mail (no original, em inglês):
Privacy. As a condition to using the Service, you agree to the terms of the Gmail Privacy Policy as it may be updated from time to time. Google understands that privacy is important to you. "You do, however, agree that Google may monitor, edit or disclose your personal information, including the content of your emails, if required to do so in order to comply with any valid legal process or governmental request" (such as a search warrant, subpoena, statute, or court order), or as otherwise provided in these Terms of Use and the Gmail Privacy Policy. Personal information collected by Google may be stored and processed in the United States or any other country in which Google Inc. or its agents maintain facilities. By using Gmail, you consent to any such transfer of information outside of your country.

É impossível não sentir um certo arrepio ao ler tais palavras. Imagina-te, caro leitor, como é fácil descobrir tudo sobre a vossa pessoa: toda a tua correspondência virtual, o teu ciclo de amizades e comunidades, a tua agenda pessoal, as tuas fotos, os teus vídeos, bem como tudo que procurares no oráculo da grande rede. E tudo isso é oferecido de graça para ti! No entanto, a qualquer momento, tais informações podem (e serão) usadas contra ti, caso algum representante do Monstro Frio julgue necessário. E ainda existem aqueles que se expõe cruelmente na grande rede, fornecendo ao mundo os pequenos detalhes de sua existência bestial...

O público e o privado possuem, hoje, uma tênue fronteira e é preciso estar atento, pois nunca a condenação à liberdade (como louquejou Sartre), com todos os apelos que o Grande Oráculo oferece, foi tão verdadeira. E por mais que idolatrem a sociedade democrática e sua suposta liberdade, parece-me cada vez mais verdadeiro que a natureza pervertida do homo sapiens sapiens tenda à selvageria numa busca boçal por velocidade, produção e inovação: falsas palavras que não ajudam a elevar o tipo homem a um estágio que se poderia considerar digno após 3 mil anos de evolução.

Namaste!