segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Suspiros Poéticos

Numa manhã destas, entre o primeiro o segundo cigarro do dia, escutei uma imbecilidade de um pseudo-comunicador, fiquei estarrecido e, em seguida, um devanear me ocorreu. O assunto em discussão era a hábito de fumar e foi utilizada a morte do ator Paulo Autran como referência de como o cigarro é prejudicial à saúde. Afinal, foi o cigarro que matou Autran, que fumava visceralmente, assim argumentou o boçal. Ao que me questionei: mas ele não estava com 85 anos ao falecer?! Quer dizer se que não tivesse fumado... poderia ter vivido até aos 100? E, supondo que isso fosse possível, dentro dessa lógica tão linear que chega a ser absurda, no que isso representaria um benefício tangível? Será que quem vive muito tempo não irá morrer igualmente? Tolices do tipo homem...

A sociedade, hoje, está cada vez mais reacionária e intolerante. Fruto, talvez, da demasiada influência estadunidense, que é possivelmente o povo que mais restrige o cigarro. Aliás, por que não proíbem também o estilo de alimentação fast trash food, que produz muito mais doenças que o cigarro, numa sociedade tipicamente obesa e que encara a alimentação como qualquer outro delírio consumista? E não apenas em relação ao fumo, mas em vários outros aspectos. Nós, fumantes, somos tidos como sujeitos anti-sociais, verdadeiros suicidas que precisam ser reprimidos como se fumar fosse uma acção terrorista! Se os invejosos e ávidos por viver muito tempo (como se isso fizesse algum sentido) direcionassem seus esforços no combate à poluição, por exemplo, talvez não estivéssemos enfrentando tantos problemas relativamente às mudanças climáticas. O que vejo, porém, é uma aversão ao prazer mundano, ainda que este acompanhe efeitos colaterais indesejáveis. Como se fosse possível ver um abismo e fingir que nada se viu...

Em outro momento, li uma reportagem que tinha como base uma pesquisa, na qual renomeados pesquisadores sustentavam que a quantidade de cigarros consumidos não alterava o malefício causado. Isto é, se o sujeito fumar 6 ou 60 cigarros diários, isso não fará diferença! É preciso uma dose cavalar de estupidez para sustentar tal suposição. Como se sabe, manipular dados estaticamente é um arte que nos diz a verdade que se deseja obter. O equilíbrio, como em tudo no estar-vivo, é necessário para uma vida harmoniosa e próspera. E, certamente, não serão alguns suspiros poéticos que causarão uma diferença significativa neste estado de coisas.

Um dos maiores poetas do Impávido Colosso, Mário Quintana, fumou e idolatrou o cigarro durante toda a sua vida (e morreu aos 88 anos... se não tivesse fumado, quem sabe não chegaria aos 120?). O pequeno poema que sugere cautela aos fumantes, além de ser uma celebração ao cigarro, é também uma visão pueril e suave da arte de fumar. E, a tal vida interior e sentimentos que só os fumantes possuem, como sugere Quintana, vai muito além do cigarro: pois o que menos parece fazer sentido na sociedade contemporânea é o suspirar, o refletir e o pensar. Meu alter ego acredita que o chá com pimenta aqui servido não seria o mesmo sem a inspiradora fumaça que exala do cigarro dos que têm vida interior, a qual transcende a visão utilitarista de mundo a qual estamos submetidos.

Namaste!

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Arte de Fumar


Desconfia dos que não fumam:


esses não têm vida interior, não têm sentimentos.


O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar...


Mário Quintana

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Contradição Canina

Num dia desses, em que até respirar parece cansar, o ordenador temporal quase marcava cinco da tarde quando ao reler os louquejares deste espaço de vouyerismo pós-moderno percebi uma contradição latente. E, pior, uma contradição canina! Na verdade, para o meu alter ego tal situação não se constitui numa contradição em si. É que, para ele, os personagens podem ter comportamentos diferentes e contraditórios. Até mesmo os cães.

Pois seja: há vários posts que relatam a felicidade como uma característica quase inacta dos cachorros. Meu alter ego inclusive recomenda que vossa mercê, inestimável leitor, torne-se um cachorro para atingir o ideal de felicidade, que tanto o tipo homem almeja. Em outros, que se utilizam das idéias contidas em Da Musicalidade do Leão, no qual a figura utilizada do cão é a mesma da Revolução dos Bichos, onde o cão corresponde ao típico homem de negócios, megalomaníaco e ávido por lucro acima de tudo. Tal imagem, suponho, arruína e envergonha a própria imagem canina que os cachorros inactamente possuem. De qualquer forma, como supor que um tipo dócil, submisso e bestial transforme-se num animal agressivo e selvagem? O que ocorre, pois, com o tipo cão para transformar-se de tal forma?

Na verdade, tal situação ocorre, louquejo eu, porque ao domesticar o tipo canino, e em muitos casos transformá-lo num cão de guarda, instintivamente o cão revolta-se e passa a agir conforme o que lhe exibido pelo seu dono. O que significa agir de acordo com o que lhe é apresentado pelo cruel tipo homem. Nesse sentido, os cães carecem de personalidade, ao contrário dos gatos. Sim, os felinos... Esses merecem um devanear próprio, pois representam a verdadeira inteligência, perspicácia e modo de viver ímpar! Um tipo aristocrático por definição! Ao contrário do cachorro, que apesar de conhecer tão bem a felicidade, eventualmente sai de si e torna-se aquilo que parte dos homens se tornam e passam a possuir de pior: um ser risível, débil e imerso ao extremo em seus pseudo-valores sobre a vida.

Namaste!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

A Soberania dos Pássaros

Há poucas coisas que são interessantes em se locomover de ônibus de um lado para outro numa grande cidade. Numa capital do Impávido Colosso, algum agente do Monstro Frio saiu de si e teve a idéia de fixar poemas em seus vidros. Isto é, no meio do burburinho cotidiano, onde a máxima de Sartre - O Inferno são os Outros - parece fazer todo o sentido possível, há um espaço para breves louquejares diários, onde o sujeito pode, ainda que brevemente, deparar-se com pensamentos dionisíacos e transcender ao cotidiano ordinário que o cerca.

Tão interessante, porém, quanto ler tais poesias, que em geral são de escritores anônimos, é perceber a transformação que estas causam nas raras pessoas que o lêem. Poucos, aliás, têm a capacidade de sair de si e abrir espaço para o mundo encantando que não é dominado pelo deus Apolo. Pode-se ganhar o dia ao ler algo que modifique a nossa percepção da realidade, que afinal é ilusão do início ao fim! E, ilusão por ilusão, prefiro a ilusão das palavras que melhor representam o espírito dionisíaco, em detrimento de uma racionalidade irracional que domina o tipo homem!


O que me levou a pensar nisso foi justamente um dos poemas que li há alguns anos e jamais esqueci: Os Pássaros, de Abi Miranda. Sempre que vejo um pássaro, lembro-me de tal poesia. Nela, há uma adequação necessária entre os benefícios de ser pássaro, em comparação às limitações do homo sapiens sapiens. Como deve ser transcendente poder voar, comer e cantar quando se quer! Por isso, reproduzo-a aqui e, embora eu já a conhecesse em meus pensamentos, foi numa pesquisa na grande rede que encontrei um único sítio que a reproduz tal e qual a conheci. E isso é motivo de celebração! E, secretamente, invejar os pássaros!

Namaste!

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Os Pássaros

Ah! Como eu invejo os pássaros.
Eles levantam cedo,
cantam o dia todo,
comem quando têm fome,
dormem à noite,
e "de quebra"...
. ...voam

Eu levanto tarde,
não tenho o dom do canto,
Como quando tenho o que comer,
sofro de insônia,
e se tento voar...
. ..."me quebro".

Abi Miranda - da série Poema No Ônibus

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Eterno Retorno

Amanhã, véspera de mais um feriado religioso, a atenção de boa parte dos habitantes do Impávido Colosso, e demais colossos que assim o fazem, volta-se para a lembrança daqueles que estão mortos. A morte, essa incompreensível balizadora da vida, apresenta-se em toda a sua dimensão, e inevitavelmente nos remete à insignificância de nossa existência, fazendo com que os pequenos dramas humanos pareçam risíveis e pequenos sob sua perspectiva.

Falar do término da vida, e além disso refletir sobre isso, é uma tarefa ingrata e que tanto os cães, os porcos e as ovelhas tentam evitá-la a todo custo. Para muitos, é condição sine qua non para a existência que se acredite em algo, ainda que estúpido, para seguir adiante. São necessárias as garras do leão com a frieza da cobra para suportar o peso da vida em toda a sua dimensão existencial, de forma a questioná-la permanentemente em busca de hipóteses que ajudem a diminuir a perplexidade do estar-vivo. A religião, este poço infinito de ignorância e alienação, tem como uma das principais funções filosóficas fornecer conforto e esperança aos que aqui vivem em sofrimento, deixando suas vidas bestiais mais amenas. O animal homem é o único tipo que precisa de um sentido exterior para a sua vida; o único que sofre porque sabe que sua existência é finita. Este é o preço, suponho eu que se existisse um deus tal e qual sua imagem e semelhança, que nos é cobrado como espécie por, na realidade, ter rejeitado o rótulo de animal. Como se sabe, os que melhor conhecem a felicidade são os cães...

Muitas interpretações, entretanto, são possíveis a respeito deste fenômeno, e pretendo aqui ater-me em apenas um único ponto: as religiões em geral postergam para o além-vida a felicidade, a "vida eterna", ou o Nirvana. O Cristianismo promete paz eterna no final das contas. O Budismo, por sua vez, promete o término do sofrimento através da negação completa e irrestrita do desejo; em última análise, da negação da própria vida, considerando que viver é desejar. Aliás, é importante que se diga que o Budismo, em comparação com o Cristianismo, está num nível menos ilusório de compreensão da realidade, pois não luta contra falsos valores morais (como a idéia de pecado), mas sim contra o sofrimento, pura e simplesmente. Este assunto, aliás, gera um óptimo devanenar. Um chá que será servido noutro louquejar...

Lutar contra o sofrimento é louvável, mas negar a própria vida através da eliminação do desejo é uma solução budista que em verdade nada soluciona... O pequeno fato, no entanto, de transpor para o além a idéia de plenitude e satisfação, independente de religião, torna o sujeito esperançoso de algo melhor em sua vida no futuro. Eu, ateu que sou, compartilho com Quintana a sua idéia de esperança: um urubu pintado de verde, eis tudo. Por isso, se a mim fosse necessário acreditar em algo, pura e simplesmente, ainda que como hipótese, preferiria acreditar na teoria do Eterno Retorno, de Nietzsche. Nela, há uma inversão total de valores, e a plenitude é obtida do terreno e do mundano, e não no além, como ocorre com o Cristianismo e Budismo. Parte-se do princípio que o tempo é infinito, mas o totalidade de coisas que existem, não. Por isso, através de bilhões de anos, os ciclos tendem a se repetir de forma idêntica à forma que uma vez já ocorreram no passado. Se o tempo é infinito, esta repetição já ocorreu infinitas vezes no passado; e repetir-se-á ainda infinitas vezes no futuro... Isto é, a totalidade de coisas que existem transformam-se durante muito tempo simplesmente para retornar ao seu estado original. Um universo sem início e sem fim. Um eterno continuar é o resumo do Eterno Retorno.

Praticamente pensando, significa que eu já vivi a minha vida infinitas vezes no passado, e ainda a viverei infinitas vezes no futuro. Vossa mercê, sábio leitor, já leu e ainda lerá este post infinitas vezes em sua vida. Conforme percebe-se em Assim Falou Zarathustra, capítulo Da Visão e do Enigma:

...
“Olha esse portal, anão!”, prossegui; “ele tem duas faces. Dois caminhos aqui se juntam; ninguém ainda os percorreu até o fim.

Essa longa rua que leva para trás: dura uma eternidade. E aquela longa rua que leva para a frente — é outra eternidade.

Contradizem-se, esses caminhos, dão com a cabeça um no outro; e aqui, neste portal, é onde se juntam. Mas o nome do portal está escrito no alto: ‘momento’.

Mas quem seguisse por um deles — e fosse sempre adiante e cada vez mais longe: pensas, anão, que esses caminhos iriam contradizer-se eternamente?”
...

Este tipo de pensamento é enlouquecedor, especialmente para aqueles que não aceitam a vida tal como ela nos é apresentada no mundano: cheia de dor, de sofrimento e de tristeza. Porém, também com alegria, com vinho e com riso. Numa palavra: um absurdo que não se pode explicar, desprovido de qualquer sentindo exterior! Quer dizer que eu terei de repetir tudo de novo, cada momento tal e qual já vivi e ainda viverei?! Por isso os miseráveis não suportariam tal pensamento, já que sua vida é miséria e sofrimento sem fim. Se o sujeito, ao tentar compreender tal hipótese, sentir-se satisfeito com sua vida, a ponto de repeti-la da mesma forma, com os mesmos momentos que viveu e ainda viverá, de tal sorte que deseje vivenciar tudo novamente, então, segundo o ideal nietzscheniano, terá compreendido como viver e morrer e confiar no ciclo da vida, de acordo o eterno retorno.

...
"Olha”, continuei, “este momento! Deste portal chamado momento, uma longa, eterna rua leva para trás: às nossas costas há uma eternidade.

Tudo aquilo, das coisas, que pode caminhar, não deve já, uma vez, ter percorrido esta rua? Tudo aquilo, das coisas, que pode acontecer, não deve já, uma vez, ter acontecido, passado,
transcorrido?

E se tudo já existiu: que achas tu, anão, deste momento? Também este portal não deve já — ter existido?

E não estão as coisas tão firmemente encadeadas, que este momento arrasta consigo todas as coisas vindouras? Portanto também a si mesmo?

Porque aquilo, de todas as coisas, que pode caminhar deverá ainda, uma vez, percorrer — também esta longa rua que leva para a frente!

E essa lenta aranha que rasteja ao luar, e o próprio luar, e eu e tu no portal, cochichando um com o outro, cochichando de coisas eternas — não devemos, todos, já ter estado aqui?


E voltai a estar e percorrer essa outra rua que leva para a frente, diante de nós, essa longa, temerosa rua — não devemos retornar eternamente?’’

...


Na verdade, considero esta hipótese a mais optimista dentro do aceitável em termos de hipóteses para explicar o inexplicável... É importante salientar que tal teoria nada tem a ver com ideais de reencarnação, visto que o retorno é obrigatório e idêntico ao que hoje se vive! Não há outra chance, há um único caminho no qual se está preso eternamente! Pois trata a vida como um imperativo do qual sequer a morte pode resolver. Assim, viver de acordo com o que é importante para si, tendo cada minuto e cada segundo no limite, fazendo valer a pena a ponta de, no final, poder dizer:

Mas a coragem é o melhor matador, a coragem que acomete; mata, ainda, a morte, porque diz:

“Era
isso, a vida? Pois muito bem! Outra vez!”

Namaste!